SONHAR MINÚCIAS É COISA QUE VAI COM A GENTE
Não me alimento de sonho de gente grande,
ainda não me cabe sonho de gente graúda,
porquanto sonho minúcias.
Não sonho com propriedade minha documentada
- para que serve mesmo esses tesouros
que se apalpam com força nas palmas das mãos?
Não sonho, então, com carro do ano,
com mansão espaçosa ou
com comida refinada.
Sonho, por exemplo, com casinha de campo
que, sendo minha, feita de madeira,
cadeira também amadeirada na varanda,
tudo cor e cheiro de terra.
Sonho com caminhada vagarosa,
ao lado de gente bondosa,
que não serve para exercitar o corpo físico,
mas para esculpir as memórias penetradas
nos arquivos da alma:
isso é coisa marcante que vai com a gente!
Sonho ainda com cafezinho
feito aos mimos da Vó
– que já se tornara saudade:
café com cheirinho bimaternal,
tapioca com cabeça de touro,
leite de gado recolhido do curral,
ovo fresquinho saído do ninho
desses em que a gema é
da cor da luz do Sol a se por...
Sonho com gente que acumula,
em vez de ouro,
muitos tesouros que não pedem senhas,
que só precisam de bons ouvidos,
de sorrisos gratuitos e
de amor sem preço.
Gosto de gente barata
que gratuitamente vale a pena aconchegar,
guardar na memória cardíaca,
levar para onde a vida é fonte perene:
passa, transita,
mas não admite um ponto final.
Sonhar minúcias é coisa
que vai com a gente!