Me deixem ir.
Acordar 5:30, 06 horas,
todos os dias.
Ônibus lotado, empurra empurra,
frenesi.
Ponto final, caminhada,
"produza, produza.
São muitos os que queriam estar aí.
Produza, produza".
Não há tempo para pensar,
refletir, sonhar ou, até mesmo,
sorrir.
É pausa para o almoço,
ufa! Mas é rápido, rapidinho,
o trabalho te aguarda.
Ok, comi, escovei os dentes
(mais ou menos),
melhor que nada,
saí.
Olhei para fora, para as pessoas,
para os céus, para os pássaros,
me dirijo ao parque,
é perto, pertinho, dará tempo.
Me sento no banco de concreto,
ar puro, silêncio, absoluto silêncio,
adormeço,
profundamente.
Foi mais forte do que eu,
me perdoem o atraso.
Sonhei com o andarilho,
com aquele maluco,
que passa todos os dias as 15 horas,
cantando e falando sozinho.
O maluco estava no parque,
disse que ia todos os dias.
Disse saber que nós zombávamos dele,
todos os dias.
E que ele é quem zombava de nós.
Que sua liberdade era tanta,
que o fazia falar alto, rir e cantar.
Que vivia em outra dimensão,
a dimensão da ousadia, da arte,
da poesia, da música.
Acordo, 3 ou 4 crianças me olham,
saio correndo,
Duas horas e meia de atraso.
Esporro, insatisfação.
"Irresponsável, irresponsável".
Copo cheio, não da mais.
Me deixem ir, me deixem ir.
Assim como o Cartola,
também preciso me encontrar.
"Cuidado, veja as formigas,
trabalham o tempo todo".
Eu sei, mas o Raul já dizia:
"Elas só trabalham
porque não sabem cantar".
Eu vou,
eu vou com os poetas,
com os músicos no terminal do Tietê,
com aqueles que nada tem.
Com os simples,
com os humildes,
vou assistir ao sol nascer.
Caminhada, andar de bicicleta,
prazeres incalculáveis.
Chega de inveja das crianças,
a criança do meu peito segue VIVA,
segue SONHADORA
e continua teimosa,
não aceita o não,
como resposta.
Bate o pé e chora
e grita.
Quer VIVER, quer SORRIR,
quer ABRAÇAR.
Não se acostuma a formalidade,
a burocracia,
ao terno fechado
em dia de verão.
Não se incomodem,
me deixem ir.
O sonho de meu sono,
em verdade,
me despertou.