Espantalho
Para alguma alma:
Hoje apalpei minha alma:
é palha, tem a textura de palha, tem a secura da palha.
Basta uma fagulha de poesia para incendiá-la!
É suficiente um pouco de beleza para ensopá-la!
Sou o espantalho perseguindo o Mágico de Oz,
buscando dele a dádiva dum coração.
Mas há lascas lancinantes entre a palha!
Pois o resignado espantalho aprendeu a defender-se.
Pois, protegendo o coração quimérico, ergueu trincheiras farpeadas.
Mas exagera ele!
Tateia suas entranhas em busca do pulsar vermelho
e acaba por ferir aquilo que usa para buscar.
Fere a si mesmo o espantalho e brotam-lhe lágrimas.
Estas não podem a palha da alma encharcar.
Sou um pingo da chuva da manhã:
caio vertiginoso, desembestado.
Abruptamente me espatifo nas curvas vivas do chão.
Escorro deliciado de mãos dadas a gravidade.
Sou sorvido, absorvido, osmose em ação!
Atravesso séculos do solo da Terra.
Purifico-me, broto em nascentes de águas novas.
Corro feliz rio abaixo em direção a um mar jamais visto
e, ao mesmo tempo, velho conhecido.
Pois sou um ciclo de águas vivas em metamorfose etérea.
Sou um cesto de pães:
meu conteúdo será repartido e dado a comer.
Sem os pães, sou vazio, perco minha finalidade imediata.
Sou um cesto de peixes esperando um Jesus multiplicador.
Sou o copo do Rubem Alves, a poesia é minha água!
Sou o tempo:
gosto de pintar meus quadros em ordem imutável.
Começo no nascer da manhã e termino no deitar da madrugada.
Começo na melancolia morna e termino no êxtase da felicidade!
Sou meu professor:
ensino ao espantalho a tornar-se cesto de pães e peixes;
objetos de palha que servem para conter!
Sou meu artesão:
ensino ao cesto de palha a vedar seus vãos,
a hermético ser,
com o intento de apanhar gotas de água vívida,
retendo o ciclo das águas, demorando-me em seu aconchego,
para deixar transbordar em forma de beleza então!
Sou soldado na trincheira:
Pelejo contra monstros antigos,
abato abominações novas,
pois sou glóbulo branco guerreiro
no sangue vermelho de um espantalho de palha
que busca e protege seu coração.
Sou amor,
sou adição,
sou sofrer,
sou subtração,
sou espantalho,
sou leão!
Sou o ser humano.
Tarde quente de final de primavera
Pará de Minas, Minas Gerais, Brasil
PS.: O espantalho no Mágico de Oz desejava, na verdade, um cérebro. Quem ansiava pelo coração era o homem de lata. A troca neste poema não foi intencional, mas foi espontânea. Um erro espontâneo, mas que vou deixar prosseguir com a desculpa de "licença poética". Espero que entendam! Abraços!