O LEÃO DE CHÁCARA E O VELHO
Puro acaso?
Sentado perto da porta do puteiro
O velho mantinha aquela posição de
Quem ali fora jogado como um trapo,
Totalmente imóvel e alienado do mundo.
Como se vivesse em outro universo.
Havia muito tempo que ali estava,
Com olhos abertos fitando o infinito
Sem expressão alguma no semblante.
Exalava um cheiro insuportável,
Calças rotas amarradas com um barbante,
Unhas dos pés e das mãos enormes,
Virando como garras de águia.
Orlando, o leão de chácara do cabaré,
Nem notava aquela presença muda e imóvel,
A não ser quando o velho se levantava com dificuldade
E seguia reto, andando como um trôpego robot.
Uma ou duas vezes por dia, o pobre diabo
Atravessava o enorme pátio de estacionamento
E Orlando o perdia de vista.
Logo após, Orlando tornava a olhar e la estava
Aquele farrapo de gente na mesma posição,
Com o mesmo olhar e mesma imobilidade.
Orlando era um homem grande, embrutecido
Por um longo ofício de apartar brigas e expulsar
Clientes violentos ou inoportunos da boate.
Seja por conversas, ou trancos e sopapos,
Orlando era um disciplinador eficiente
E muito temido.
Alta madrugada, uma friaca violenta,
Orlando pega o velho pelo cangote e
Joga no banco de trás do carro.
Chegados à casa, coloca o seu convidado compulsório
No banheiro de serviço, joga toalha, roupas usadas
E um sabão de pedra na mão do velho,
Fecha a porta e aguarda o som do chuveiro.
Toma seu banho e procura o hóspede.
Este aparece de banho tomado e barba feita
Todo cheiroso, olhar brilhando de lágrimas.
Orlando olha e exclama; Pai?
Paul Miorim 01/11/21