Carta de quem sobreviveu
Na cidade protegida pelos anjos
A proteção também cai naqueles que fazem mal
Cai também naqueles que mentem para viver
Naqueles que sofrem com as mentiras
Continuo vagando pelas ruas à noite
Não respeitando a sinalização vermelha
Assim como em minha juventude
Correndo como se não tivesse pai, muito menos uma mãe
O mal que dizem é que as ruas são cruéis
Quando na verdade a vida em qualquer lugar vai foder sua vida
Correndo em uma velocidade cada vez mais surreal
Apenas fixo meu olhar naquela morena com seus lindos cabelos e olhos encantadores
Mas o tempo já passou, ela também olhou
Correndo tanto que pular, saltar alguns metros, parece ser uma boa ideia
Quando na realidade é apenas uma ilusão
Assim como as mentiras que me contam desde meu nascimento
Muito veloz para não apanhar, inteligente demais para não ficar em casa
Minha vida sempre foi aula prática
Fome, sede, calor, frio, dormir no chão, tudo isso foi minha companhia do dia a dia
Por que rejeitar quando se pode agradecer pelas dificuldades?
O que seria de mim sem a solidão?
Trocar constantemente os lençóis da cama não significa estar acompanhado
Cada lençol com o seu cheiro não quer dizer sinal de felicidade
Amando a solidão para conhecer o gosto do vinho
Estar só é apenas a consequência de se ter desviado de um comprimido
Um comprimido na barriga da minha mãe
Aguentar suas mentiras foram apenas uma preparação
Para o pior que agradeço todo dia por ter sobrevivido, ficado mais forte
Devo agradecer por ter nascido?
Agradecido pelas mentiras?
Obrigado pelos dias frios
E noites planejando fugir pelo mundo?
Há coisas que não se consegue superar
Existem coisas que apenas precisa-se aprender a conviver
Meus dias de criança não se foram
Embora adulto, um adolescente ainda está irritado
A vida é cruel, mas a romantizam
A verdade é que inventam o significado de um mês para ajudá-lo
Mas e os outros onze meses seguintes?
Quando na real estão pouco se fodendo para isso, além das fotos
Na real, muitos de quem inventam romances de mês
Não sabem o porquê o mundo está afundado em vícios
Cada um com o seu, cada um com sua garrafa na boca
E ninguém atirando a primeira pedra
O mundo não é cruel
Quem vive nele, em sua grande parte, é
A vida também, mas isso é bom
Ela fode para nos tornarmos fortes
E força além do normal temos
Somos filho do Dono do Mundo
Aquele Mundo que só sobrevive quem percebe
Quem percebe que tudo são apenas anilhas para levantarmos
Eu ainda estou correndo
Eu ainda estou ultrapassando sinais vermelhos
Eu ainda estou fingindo ser o dono do mundo
Eu ainda corro tanto que estou sozinho nessa velocidade
Amanhã, quem sabe, eu paro
Talvez eu sinta o cheiro daquela morena atravessando a rua
Talvez eu veja os olhos puxados daquela japonesa e a faça sorrir
Amanhã, quem sabe é em Jerusalém, meu amigo hebreu
Eu apenas escrevo para organizar meus pensamentos
Textos panacas consequentes do efeito maligno do vinho
Mas, tudo bem
Amanhã é outro dia, outro dia na fábrica de sonhos