O espelho

Abri meu olhos, meio ofuscados pelo emaranhado

De luz e trevas ao fim da madrugada,

O corpo envolto sob a coberta, não queria nada

A não ser ficar ali, na cama.

A inquietude me sacode, me retalha em pensamentos,

Quando num súbito momento o espelho na parede

Do meu quarto mostra-me a verdade.

Quis desviar o olhar - não pude!

Frente a frente com a imagem no espelho

Percebi que:

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso. Tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas da minha casa.

Da minha casa de uma entre milhões no mundo,

Que ninguém conhece - e se conhecessem quem é, que a

Conheceria?

Só uma casa, indiferente a tantas outras casas que passam na rua.

Desconhecida das que acordam do lado direito, do lado esquerdo.

Uma casa invisível aos olheres do mundo,

Numa cidade inacessível a todos os pensamentos,

Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.

Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,

E não tivesse mais irmandade com as coisas

Senão uma despedida.

Dentro da minha alma os amigos aparecem,

Montados à cavalos,

Lutam a minha guerra;

Vencem a minha guerra, mas só dentro de mim.

Falhei em tudo.

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?

Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -

Sim, verdaderamente altas e nobres e lúcidas -

E quem sabe se realizáveis,

Nunca verão a luz do sol real nem acharão

Ouvidos de gente?

O mundo é para quem nesce para o conquistar

E não para quem sonha que pode conquistá-lo,

Ainda que tenha razão.

E continuo na estrada da vida.

Charles Costa
Enviado por Charles Costa em 27/09/2021
Reeditado em 28/09/2021
Código do texto: T7351369
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.