O espelho
Abri meu olhos, meio ofuscados pelo emaranhado
De luz e trevas ao fim da madrugada,
O corpo envolto sob a coberta, não queria nada
A não ser ficar ali, na cama.
A inquietude me sacode, me retalha em pensamentos,
Quando num súbito momento o espelho na parede
Do meu quarto mostra-me a verdade.
Quis desviar o olhar - não pude!
Frente a frente com a imagem no espelho
Percebi que:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso. Tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas da minha casa.
Da minha casa de uma entre milhões no mundo,
Que ninguém conhece - e se conhecessem quem é, que a
Conheceria?
Só uma casa, indiferente a tantas outras casas que passam na rua.
Desconhecida das que acordam do lado direito, do lado esquerdo.
Uma casa invisível aos olheres do mundo,
Numa cidade inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida.
Dentro da minha alma os amigos aparecem,
Montados à cavalos,
Lutam a minha guerra;
Vencem a minha guerra, mas só dentro de mim.
Falhei em tudo.
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdaderamente altas e nobres e lúcidas -
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão
Ouvidos de gente?
O mundo é para quem nesce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo,
Ainda que tenha razão.
E continuo na estrada da vida.