HÉRCULES E OMPHALE CAP PRIMEIRO
HÉRCULES E OMPHALE – 11 SET 2021
Capítulo I
Conforme fora já profetizado
ou simplesmente por ter sido combinado,
foi Hércules como escravo adquirido
pela Rainha Omphale, a senhora, (*)
da Lydia, de que mais tarde se assenhora
o Rei Creso, já bem mais conhecido.
(*) Pronuncie como ‘ônfale’.
À Lydia, que hoje é parte da Turquia,
como um escravo sem nome, o conduzia
Hermes, patrono e dos mercadores;
Ômphale por ele três talentos de prata ofereceu
e assim Hércules se tornou escravo seu,
mas sem sofrer da servidão horrores.
Já que Omphale o achou interessante
e mais que guarda, escolheu-o para amante;
por outra parte, nem toda a profecia
se cumpriu, que Eurytos proibiu, de forma tensa,
a seus netos de receber tal recompensa,
porque só sangue o sangue de Iphitos pagaria!
Porém esta já é história diferente
e nesta compra se estabelecia claramente
que a servidão de Hércules seria passageira,
deveria apenas servi-la por um ano,
embora de fato ali ficasse, sem mais dano,
por três anos ou mais, do trono à beira.
Omphale era filha do rei Yordanos
e mãe de Tântalo, cujos suplícios insanos
resultado foram de sua própria maldade,
seus prisioneiros deixava morrer de fome
e no Tártaro só mostravam o que se come
e água abundande, sem ter dela a sacieade.
Os frutos desciam, bem naturalmente,
até a altura de sua boca e, de repente,
quando ligeiro os buscava abocanhar,
de imediato os galhos levantavam
e a água que os membros lhe banhavam,
escorria sem permitir-lhe se saciar.
Por uma vez, na época matriarcal,
Omphale ganhara o seu trono real
de Tmolus, seu marido, filho de Ares
e de Teógone, quando em meio a uma caçada
viu Arripe, caçadora também, mas dedicada
a Ártemis ou Diana e guardiã desses lugares.
Então Tmolus procurou-a seduzir,
contudo Arripe conseguiu dele fugir,
mas Tmolus insistente a perseguiu
e no próprio templo sacro a atacou,
sobre o leito consagrado a estuprou
e em sua vergonha, ela só um futuro viu.
Assim enforcando-se em uma trave do teto!
Mas de Ártemis foi provocado o desafeto
e ela enviou contra Tmolus um touro
que o perseguiu e lançou-o pelo ar,
com suas guampas seu corpo a perfurar,
morrendo assim na agonia do desdouro.
Então seu filho, Troclimeno, o sepultou
e por seu nome a montanha ele chamou.
Uma cidade com esse mesmo nome
durante séculos ali se construiu,
até que sério terremoto a destruiu,
no tempo de Tibério, grande césar de renome.
HÉRCULES E OMPHALE
Capítulo II
Você recorda de uma vez, sequer,
ter visto Hércules com roupas de mulher?
Como um herói, isto o comprometeria?
Mas em certos vasos ele é assim representado...
Será que isto o deixou desapontado?
Como tal semideus de mulher se vestiria...?
Na verdade, isto fácil se explicava,
quando o matriarcado ali predominava,
tendo o rei só emprestado o seu poder
e se representar devia a sua rainha
ou ante o altar ao sacrifício vinha,
com as vestes da esposa deveria proceder.
E é preciso nunca se esquecer
que os mitos gregos que se costuma descrever
antes da vinda dos Helenos transcorreram,
nesse período chamdo Miceniano,
o território habitado por arcano
povo, que para os Helenos o perderam.
Escravizados sendo os sobreviventes,
como Pelasgos conhecidos entrementes,
sua própria história em lendas se afirmou,
que os Helenos recontaram à sua maneira,
sérios às vezes ou de forma mais ligeira,
em zombaria pelo legado que restou.
Kouros era uma estátua masculina,
sendo Koré a equivalente feminina
e de Kouréos, meio Kouros, meio Koré,
assim os chamaram os seus detratores,
vendo as figuras nos vasos dos pintores,
como um modelo masculino de má fé!
E mesmo hoje existe quem declare,
porque em ânforas imagens tais repare,
que era Hércules tão só homossexual;
mesmo depois de tantos filhos atribuídos,
por sua potência tendo sido concebidos,
sua descendência numerosa de caudal!
Com a própria Omphale três filhos gerou,
Lamos, Agelaus e dinastia ainda iniciou
com Laomedonte, que de Tróia foi o rei
e mais Tirrenos, que a trombeta inventou
e o seu povo à Etrúria comandou.
Mas que alguns dizem ser bisneto, já não sei.
Seria filho do Rei Atys, neto seu
e de sua Omphale; e mais um Clodaeu,
filho da escrava Malys, o qual seria
o antepassado do famoso Creso,
rei da Lydia, que possuía o próprio peso
em peças de ouro, que ele mesmo cunharia!
O que é certo é que Hércules serviu
bem fielmente a quem o adquiriu,
expulsando do seu reino salteadores
e mais diversas criaturas maliciosas,
além de outras bem mais tenebrosas,
dela afastando muitos dissabores.
Do rio Sagaris habitava a margem
uma serpente gigantesca, que a paisagem
assolava, as colheitas destruindo;
com sua clava, a serpente derrubou,
com treze golpes a espinha lhe quebrou,
a gratidão da rainha conseguindo!...
HÉRCULES E OMPHALE
Capítulo III
Colocou Zeus no céu essa serpente,
com o nome de Ophiuchus, realmente
impronunciável... Ofiúco que se leia,
comemorando de Hércules a glória,
a serpente derrotada em sua vitória,
de Hércules a cabeça a que rodeia.
Mas outros sábios da Antiguidade
afirmaram ser Ofiúco, na verdade,
representação do deus da Medicina,
Asclépios ou Esculápio, com a serpente
até hoje em seu caduceu presente,
quando o veneno a remédio se destina.
Mas a façanha talvez mais singular
que nessa época foi Hércules realizar,
foi a derrota dos Gêmeos Trapaceiros,
os Cércopes de Éfeso, que atacavam
os adormecidos e seu sono perturbavam,
com pesadelos a inspirar grosseiros!
E igualmente, até contra os despertos
provocavam ilusões de olhos abertos,
sendo seus nomes diversamente mencionados,
com Passalos e Akmon ou Eribatos
e Olus ou ainda em outros tratos
como Sillius e Tribanos informados.
Seriam dois gêmeos, ambos filhos do Oceano
com Theia, perturbando a cada humano
e até mesmo com os deuses se metendo;
eram os maiores mentirosos zombeteiros,
pregando peças os terríveis galhofeiros,
por toda parte ao descanso acometendo! (*)
(*) De certo modo correspondendo aos Poltergeister
ou ‘espíritos brincalhões’, que escondem coisas para depois te devolver.
Theia já uma vez os havia prevenido:
“Fiquem longe desse Hércules convencido,
meus Bundas-Brancas, porque tem a Bunda Preta!”
Tornou-se até provérbio dito aviso,
significando “covarde, baixo ou indeciso”
ou “homossexual”, como ofensa mais secreta.
Ora, os Cércopes giravam a cada noite
em torno a Hércules, como duplo açoite,
quais dois moscardos azuis, bem disfarçados,
até que o herói um dia os agarrou
e a tomar sua vera forma os obrigou,
numa vara os dois levando pendurados!
Acontece que de Hércules o traseiro
enegrecido ficara por inteiro,
pelo fogo ardente da Hidra de Lerna!
A única parte a não gozar a proteção
de seu corpo pela pele do leão,
ali gravada queimadura eterna!...
O seu rosto protegera, certamente,
braços e pernas a lavar constantemente,
mas sem se lembrar de esfregar o seu traseiro!
Ou pelo menos, é o que a lenda narra
e os Cércopes fizeram vasta farra,
de cabeça para baixo a enxergá-lo inteiro!...
Hércules com a alegria dos cativos espantou-se
e lhe explicaram, quando em pedra assentou-se,
rindo igualmente, sem conseguir parar!
Logo a seguir, libertou os dois farsistas
e nas Termópilas se mostram disso as pistas,
“Traseiro Preto” uma pedra a se chamar!...
HÉRCULES E OMPHALE
Capítulo IV
Dizem os mitostegos que tentaram enganar
ao próprio Zeus, que para os castigar
os transformou em dois monos amarelos,
(que alguns comparam aos de Gibraltar,
sem aparência idêntica mostrar),
que aprisionou separados em castelos.
Em uma várzea da Lydia vivia Sileus
com uma extensa vinha e em campos seus
costumava obrigar cada estrangeiro
a trabalhar como escravo até a morte;
Hércules o matou e apesar do grande porte
desarraigou as suas parreiras por inteiro!
Pouco mais tarde, chegaram salteadores,
vindos de Itone e esses malfeitores,
não se continham com botim, porém matavam.
Hércules os venceu e destruiu a sua cidade,
recobrando os saques em sua totalidade
e outros bandidos temerosos se afastavam.
Havia em Celme um Lityersos, lavrador,
filho bastardo do Rei Minos, executor
também de viajantes, que obrigava
a trabalhar até sua total exaustão
em seus campos e sem outra razão,
com sua foice a cada um decapitava!
Cantando, os cadáveres em gavetas conservava
de um sepulcro na rocha e pendurava
as suas cabeças. Hermes a Hércules informou
que um filho seu, Daphnis, apenas um pastor,
chegara à Lydia a procurar o seu amor,
Pimpleia, que Lityersos um dia comprou
aos piratas que a haviam raptado
e a Daphnis havia também escravizado;
Hércules se apresentou como um viajante
e após na colheita a Lityersos superar,
com a própria foice sua cabeça foi cortar,
lançando-o ao rio, que o levou por diante.
O seu sepulcro selou inteiramente
e Daphnis recobrou sua Pimpleia finalmente,
aos quais deu de Lityersos a mansão
como um dote em favor matrimonial.
Por muitos séculos permaneceu habitual
que em honra de Lityersos cantassem em ocasião.
Consta que após ter matado tal serpente,
percebeu Omphale quem ele era realmente
e o dispensou de seu serviço, permitindo
que retornasse à sua terra de Tirinto,
carregado de presentes, porém sinto
que alguma coisa aqui se está omitindo.
Certamente quem ele era saberia
a Rainha Omphale, que com ele ficaria
por tanto tempo e após tantas proezas,
que mais não fosse pela pele do leão,
que ele envergava para plena proteção,
sem qualquer margem aqui para incertezas.
Decerto o segredo era ali compartilhado,
simplesmente sem que fosse mencionado,
porque Omphale e Hércules se amassem
e entre os dois gerassem descendência,
até que Zeus, em sua real potência,
determinasse que os dois se separassem...
HÉRCULES E OMPHALE
Capítulo V
Até Micenas e Tirinto alguns rumores
chegaram de que Hércules aos favores
de Omphale houvesse cedido tanto,
que abandonara a sua pele de leão
e em vez disso, se trajava na ocasião
com peplo de mulher e feminino manto!
Ora, acontece que entre Gregos e Romanos,
atos homossexuais não eram tidos por profanos,
desde que as pessoas não negassem o seu sexo,
usando os homens roupas de mulher
ou as mulheres indumentária qualquer,
do lado oposto a fingir-se de reflexo.
Houve muitos casos de pena de morte
para quem se comportasse dessa sorte!
Seria então vasto escândalo patente
que destarte se trajasse o semideus,
renegando os aparatos que eram seus,
um motivo para troça ou para pranto!
Foi assim ele representado por artistas,
usando jóias e roupas nessas pistas,
ou até mesmo trabalhando num tear:
quando ele errava, Omphale o atingiria
com sua sandália, que de fato não o feria,
mas deixar o deveria bastante envergonhado!
E foi por outro também representado
usando um vestido amarelado,
enquanto de Omphale as criadas,
com cuidado, penteavam seus cabelos
e suas unhas pintavam em seus zelos,
com expressões bastante debochadas!
Mas nada disso, de fato, acontecera,
só uma coisa bem diversa é que ocorrera:
um dia Hércules e Omphale, namorados,
foram fazer um piquenique na pastagem
e Omphale pediu sua pele com visagem,
seus vestidos por ele a ser usados...
Que nus ficassem só temporariamente,
mas o vestido se rasgou, naturalmente,
porque sozinhos pensavam estar os dois!
Porém Pan, o deus senhor dos parreirais,
assistiu a sua nudez, ficando por demais
ansiando por Omphale poder possuir depois.
Durante a noite, a Dionysos visitaram
em seu templo e ali se consagraram,
antes de a ele um sacrifício oferecer;
mas Dionysos requeria pureza marital
na véspera de um pendor sacrificial
e em dois catres foram os dois se recolher...
O lascivo Pan no templo penetrou
e estando as roupas trocadas se enganou,
tentando de Hércules se aproveitar!
Mas o herói de imediato se acordou
E com um empurrão Pan arrojou!
Acesa a luz, todo amontoado se avistou!
Ofendido e humilhado, com suas pernas de bode,
pôs-se a correr dali o mais rápido que pôde,
para espalhar pela península o rumor,
como uma triste forma de vingança,
que temporária só alcançou pujança,
logo o herói a recobrar todo o favor!
HÉRCULES E OMPHALE
Capítulo VI
Conforme já anteriormente foi descrito,
após a morte de Ofiúco, o mito
relata que Omphale finalmente o libertou;
porém também se comentou anteriormente
que ignorasse fosse difícil, realmente:
só a contragosto do herói se separou...
Durante o período clássico, os escritores
consideraram alegóricos os pendores
de Hércules, durante a sua escravidão,
que tudo fosse tão só demonstração
de como até os mais fortes homens são
facilmente dominados por feminina devoção!
Também alguns mitostegos afirmaram
que fosse Omphale a Pitonisa e explicaram
que Hércules devia realizar compensação
por ser tomado por cólera tão viva,
demolindo Delphos de forma intempestiva,
qual já agira em mais de uma ocasião!
E que assim coagido à escravidão
finalmente aprendesse a sua lição,
que os Doze Trabalhos não haviam bastado
e em resultado aprendesse a controlar-se
e sua força doravante ele empregasse
somente quando fosse para tal solicitado.
Contudo, aparentemente foi histórico,
mesmo mostrado de modo mais simbólico,
que Tmolus tivesse uma virgem atacado
e que depois fosse acometido por um touro,
mesmo sem Ártemis a sofrer qualquer desdouro,
o mito de Adônis sendo assim originado.
O episódio em que Iphitos foi assassinado
e que depois Eurytos se tivesse recusado
a receber qualquer compensação,
real deve ter sido também, provavelmente,
mesmo que tendo sido fantasiado parcialmente:
quebrada a lei hospitalar nessa ocasião!
Alguns encontram mais um significado,
porque em grego “umbigo” é “ônfale” chamado
e desse modo foi Hércules absorvido
segunda vez para um ventre materno,
misticamente a tornar-se assim eterno,
mais que por Zeus divinizado tendo sido.
Quanto ao costume de certos lavradores
de capturar viajantes e, após labores,
em suas terras os terem assassinado,
parece ter sido até bem documentado:
ao espírito da Terra o sangue derramado,
da Grande-Mãe em seu matriarcado!
Também é certo que foram os Helenos
que os sacrifícios humanos, pelo menos
suprimiram em sua zona de influência,
no período homérico ocorrido raramente,
salvo o de Ifigênia, por mais que cruelmente
se matassem uns aos outros com frequência!
Em Cnossos e em Lagash da Suméria,
os reis usavam, em cerimônia séria,
as roupas da rainha, a quem obedeciam
e até em Bagnara, Itália Meridional,
as mulheres dominavam no seio marital
e ainda há um século os maridos as serviam. (*)
(*) Bagnara foi colonizada por Lócrios, um povo pré-helênico, que fugiu da península após a invasão das quatro tribos dos Dórios, Eólios, Jônios e Aqueus.