Ardil 2020
A chuva lá fora não apaga os incêndios,
as cidades estão em chamas,
queimando como brasas,
tudo perdeu o sentindo nesses dias,
andamos cegamente pelas ruas,
somos ratos correndo pelas vielas,
underground saindo dos esgotos,
vendo nossos pecados expostos,
sem remorsos, sem orações, sem expiações,
dançando como morcegos no escuro,
chorando lágrimas de nossa perdição,
sem olhar mais nos olhos uns dos outros,
gritando palavras de desordem para o abismo,
delirando de febre nesse inferno sem Literatura,
quebrando nossos corações como cristais finos,
enquanto nossos sonhos ardem até virar cinzas...
Que cesse todo o barulho,
que se esvaia toda a mágoa,
a solidão só nos apunhala profundamente a alma,
deixando-nos sangrando na fogueira...
Tantos dias trabalhando como operário,
carregando carvão de uma mina sem fim,
esperando uma chance de ver a luz,
mas as brasas queimam minhas mãos,
as promessas vendidas pelo capitalismo falharam,
os sonhos desbotaram no sol incinerador,
ninguém mais consegue parar o trem da desilusão,
estamos presos na rotina de uma escravidão invisível,
não há músicas tocando para amenizar a dor,
não há poesias para desabafar o ardor,
só o vento quente ferindo olhos e orgulhos,
mudanças que nunca chegam,
se eu tivesse três desejos,
pediria para desligar essa realidade,
apagar esse filme noir sem sentido,
recomeçar do zero sendo um outro alguém...