SENTINELA DO TEMPO

As pessoas dormem

E a vida se esvai

E eu aqui acordado

Vigiando o tempo

Tentando segurá-lo

Em mim, pelo menos

Tentando, aos prantos,

Demovê-lo de sua missão

Mas as estrelas não ligam

Vão-se embora

E levam consigo a noite

Trazendo a velhice

E a vizinhança da morte

As pessoas dormem

E a vida se esvai

Entre uma virada e outra na cama

Entre um ressonar e outro

De sonho em sonho

Passando pelos pesadelos adultos

E pelos choros infantis

A vida escorre

E não há quem a detenha

Quem a transforme num açude

de duração e longevidade

As pessoas dormem

E a vida se esvai

O tempo se mete num oco

Se perde no ralo

Não volta para mim

Não volta para elas

Nem para ninguém

Ele some e me deixa atônito

Querendo consertar a existência

Querendo mudar a natureza

Querendo ser e não estar sendo

Desejando ardentemente

Que o mundo perdure diante de mim

Mas as pessoas dormem

E o tempo

arredio

se esvai

E eu

Que o vigio noite após noite

Esperando uma revolução genética

Uma transformação espiritual

Fico confuso e fragilizado

Com a força daqueles que dormem

Com sua decisão de viver, ainda assim

Com suas esperanças e projetos

Que fazem de minha vigília

Nada além de desespero

Nada mais que uma tolice

Pouco menos que uma ilusão

Ah! As pessoas dormem!

E, indiferente, a vida se esvai

E eu aqui esperando

Que o Sol pare mais uma vez

— admirado com o glamour do Universo

Que a Terra se canse de girar

Que as estações percam o trem

Que a Lua se demore com o Mar

Atrasando, assim, a Aurora apressada

As pessoas dormem

— uma pena!

E a vida se esvai

O tempo se esgota

A força se esconde

E o corpo decai

E eu aqui, querendo ser um deus!

Um que vivesse no mundo

Um que chorasse de saudade

Um que entendesse o humano

Um que fosse terra e água

Um que fosse fogo e ar

E dissesse não à morte

Sorrindo à paixão

Sim, querendo ser um deus!

Um que curasse o corpo

Um que matasse o fim

Que apagasse o ponto final

E pusesse reticências

No livro da vida

De cada um de nós

Mas as pessoas dormem

O tempo não.