looping

Torno ao desespero opressivo e calante de todas as questões.

Meto-me de novo na espiral sofismática inescapável de todos os equívocos

De todas as ilusões e fantasias

Afogando-me sequentemente nas ondas intermináveis da dor resistida, rejeitada.

Esbarro na armadilha da indignação da indignação - a irresignação da resistência.

De novo e sempre a garça negra combatendo o rio

Sem nem ver que ele não para de passar, fluido, sem ideia ou propósito algum de contenção.

A loucura de crer-se o destino e a vítima primordial de todas as piores mazelas do mundo

A razão do projeto de todas as desgraças cósmicas

O miolo de uma centralidade impossível e inexistente.

Como se eu mesmo pudesse importar

Como se qualquer dos tempos de minha vida pudesse ter importado.

A insana impercepção de que tudo só conta na exata medida em que foi acontecido ou não.

De que meu enlouquecido afeto, apenas insinuado,

Fenecido de aborto pelo próprio veneno renegante;

De que a clausura burocrática da rotina sufocantemente predatória

Aparentemente vampírica de minha'alma;

De que o desajeito, a diferença, o desajuste, a aparente desvida

A supressão abrupta de tantos fatos queridos e vindicados

E a precariedade de histórias e repertórios que disso resulta,

De que tudo isso, e que todos os nadas e ninguéns que vêm com isso,

Só valem na estrita proporção em que me colocam na precisa coordenada existencial

De que jorro as palavras que ora escrevo.

Até o tempo desperdiçado não o terá sido. O passado vale pelo que foi. O presente, pelo que é.

Só isso. Nem mais, nem menos.

O resto é invenção da vaidade, do Narciso persistente, do insentato engodo egóico

Do gosto irrenegável pelo drama e pelo trágico, do vício pela dor aumentada, resistida

Da alienação de toda a razão e de toda a lucidez, do delírio falsamente poético

Da embriaguez licenciosa da palavra corrompida, depravada.

Como se esse fosse o caminho do herói, a realização estética.

Esbofeteio-me o espírito para retornar à realidade e despertar-me da letargia doente

Do torpor maligno paralisante que estagna o ser

Que me desmancha precocemente os sequer fetos de sentimento

De arte e ideia

Da vida latente que é o agora que ainda há pouco era depois.

E que já passou... Como o rio.