Seleção do Autor: 11 poesias sobre a vida

bicho do mato

salvo da selva

de pedra a relva

que se eleva

sobre troncos

sobe barrancos

tece redes verdes

cresce e floresce

alimentando a sede

a fome de milhões de seres

salvo da selva de pedra

é o verso que me tece

e me enreda na rede

de naturais tapetes

fazendo de mim relva.

na selva em que habito

mudei de hábito

e sutilmente

imperceptivelmente

me tornei bicho do mato

um haicai e uma canção desesperada

cartas de tarô

sobre a mesa

descarta o amor.

era uma mulher infeliz

entre o limo das vasilhas

e o coração enferrujado.

no tanque roupas em pilhas

à espera de ásperos muques.

o corpo todo um estoque

de tristeza e desejo de morte.

no rosto lágrimas de desgosto.

as cartas de tarô a negar-lhe melhor sorte

eu te amo

o pássaro que prepara

o ninho, leva no coração

o que a amada espera:

amor sem medida, afeição,

o silêncio cúmplice da ternura,

a pureza do amor, sem explicação.

não carece explicar o amor,

eu te amo, simples assim

como o desabrochar da flor,

como o lume das estrelas, enfim,

eu te amo com o ardor

do sol sobre o nosso jardim.

eu te amo sem medo,

eu te amo sem os grilhões

dos simulacros, dos arremedos,

como a cachoeira aos borbotões,

acariciando nossos corpos com seus dedos,

enquanto recebemos afagos das mãos.

eu te amo com certeza

oh flor que causa espanto,

tamanha a sua beleza,

capaz de abrir sorriso calar o pranto,

pois esta é a nossa maior riqueza:

natureza, pra você este meu canto

Pensamentos Imperfeitos

É alta madrugada...

Ouço a voz maculada

A arremessar em meus ouvidos

Toneladas de paralelepípedos.

Meu coração é uma bateia

A separar pedras preciosas da areia...

Enquanto a madrugada avança

Vejo nítidas as garras da onça

A romper a minha jugular

E antes de ela desferir golpe fatal

E fazer de mim o alimento frugal

Petrifico-a sob meu estranho olhar.

Esta comunicação hermética

Esvai-se em poucos segundos

E se encerra de forma patética

Em um beijo mórbido profundo

exercícios ao amanhecer

ao acordar olhe com calma ao redor

respire fundo o ar da manhã

cheire o lençol travesseiro e o cobertor

lá fora um pássaro se assanha

sinta o seu próprio odor

cheire seu amor mas se estiver só

converse consigo abra as cortinas

devagarinho para entrar o sol

se há chuva forte ou fina

nada disso importa

chuva faz bem ao chão

aproveite e abra as portas

principalmente as do coração

não se esqueça de se ver no espelho

hum que cara hem!

mas não fique aí de molho

é sinal de quem dormiu bem

vamos lá se ajeite se arrume

faça um bom lanche também

tome tento e se aprume

e vá a luta...

Bondade

"Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra"

A bondade praticada sinceramente, espalha-se

e não se queima como palha, evolui naturalmente.

Uma pessoa bondosa não necessita de vanglória,

pois a bondade em si, fica na memória

e nos corações agradecidos.

Abarca num amplexo a humanidade.

Dessa forma a bondade cumpre o seu sentido.

Se a bondade se cala diante da maldade,

não a busque na poltrona da sala,

pois sua morada é o coração,

nem tente enclausurá-la numa cela,

pois que a bondade romperá as grades

ou será libertada por sementes de bondades

brotadas, sem vingar-se das maldades,

para que se tornem bondades.

Porém a maldade também espalha sementes,

que brotam nervosas nos corações e mentes

desumanas, mas não com a mesma intensidade,

embora ela tenha mais visibilidade.

Há que se ter perseverança,

manter acesa chama da esperança

de que mais dias menos dias viveremos tão somente

sob o signo da bondade

Existem Homens

Existem homens...

Corajosos destemidos

Que cantam e sonham

Transformam o minério em aço

E têm nos olhos a lágrima

Nos lábios o sorriso...

Existem homens que lutam

E superam a dor

Enfrentam obstáculos

Não se entregam não recuam

Espantam o medo não traem

Não delatam...

Existem homens que parecem

Não ser deste mundo:

Sob a cruz

Coroa de espinhos

Ou diante do fuzil

Lançam os olhos às estrelas

Existem homens que fazem

Exatamente o

Oposto

Poema ao anoitecer

O olho do dia começou a se fechar.

Devagar e bonito.

O sol se escondendo nas montanhas.

A noite é o dia dormindo.

Antes que o dia adormeça há uma luminosidade transitória.

Ponho os olhos no horizonte e o meu coração palpita.

O que é isto?

Contemplo o dia adormecer...

Pássaros buscam abrigos.

Há uma réstia de sol.

A zoeira do dia vai se dissipando.

Para dar lugar a outros ruídos.

Ruídos de silêncio.

A nuvem escurece.

As primeiras estrelas piscam.

A lua.

Nova crescente cheia minguante...

Há noites de relâmpagos.

Há noites de luz e breu.

Sou micro diante da imensidão cósmica.

Mas a noite de hoje tem lua cheia.

Sou poeira cósmica.

Tão importante quanto o sol que foi dormir

abraço

abraço é um laço

um lance de carinho entre seres

que se querem bem

a hera abraça o muro

e entre plantas enlaça-se segura

em perfeita simbiose

pois que o abraço é troca

dádiva que cura

são galhos que se encontram na mata escura

caneta que abraça o papel

pincel que beija a tela

estrelas abraçando o céu...

o abraço conforta

aquece a alma

e traz a sorte

semente que brota

o abraço é uma obra de arte

O último poema

No caminhar das coisas,

no tanger das horas,

um rastro de inocência esmaece na poeira do tempo.

A algaravia de outrora silencia ante

a estupidez das coisas vigentes.

Os sinos não dobram mais,

pois os sineiros abandonaram o posto.

A cruz na curva do asfalto não recebe o afago das flores,

resiste às intempéries e a voracidade dos cupins,

como a implorar em orações ao céu plúmbeo,

que a salve desse silêncio sepulcral.

O amor caminha com passos trôpegos

e a paixão corre afoita.

As coisas continuam coisas desumanizadas.

As folhas caem no outono e dão seus lugares a roupas novas.

Enquanto isso o novo homem nasce coberto de rugas e rusgas,

sob velhas regras.

Ninguém parece se importar mais com o andar das coisas.

As ondas do mar parecem cansadas de beijar as areias, erodir barreiras e o gado segue obedecendo o aboio do vaqueiro indolente.

Não se ouve barulho na lagoa.

Tudo está num silêncio de sangrar,

silêncios e estrondos de aviões riscando o céu,

de preces na terra e gemidos no mar.

Refinarias não refinam o ouro negro.

A plataforma 136 submergiu com onze operários.

A base militar de Alcântara explodiu

e fragmentou no ar vinte uma pessoas.

O último poema entalado na garganta se despede em silêncio.

Amém

Exit

O monstro mostra a face

É hora de partir sem fugir da raia

Há vida fora desse mar de martírios

O que move e comove não existe aqui

Saio dessa rede que tem sede de sangue

A fome consome desvalidos

Nessa ágora de agora cegos em seus egos

Regulam a ração dos párias da pátria

Constroem tapumes com seus estrumes farpados

Urge sair ante o mugir do monstro

Vida se abriga fora dessa rede de intrigas

Saio dessa cerca antes que eu perca a visão

E não possa tirar o cisco do olho do irmão