GEMEALIDADE

Teu Deus tinha um irmão. Tem.

Que da origem das tintas lhe sobreveio o som.

Que da música que apascenta florestas o toque.

Que da humana idade a réstia em trança luz.

Que da era que se acaba a material hera:

que da elipse signa pórtico a transparência.

Seu filho primogênito tinha um irmão. Tem.

Que livre em sincronicidade farto e puro vive.

Que ad libitum por mais que o meça a terça parte da fúria.

Que em madeira alquímica um restasse a chorar pelos cantos das igrejas.

Que pediu e lhe foi dado findar-se e renascer em sangue hostializado.

Que o outro ceia todas as noites na taberna da esquina. Vê?

Que de tão parecidos somam sombra, terra e infinito.

Que um grita e o outro parece ter ouvido

lobos rondando o sacrário em que deuses fabricam mitos.

Tua vida tinha uma outra vida. Tem.

Que tuas mãos estendidas escolhem cereais permanentemente vento.

Que teus olhos permanentemente tempo viajam sob a medida lúdica.

Que teu canto esganiçado e céu carrega em si violetas em prelúdio.

Que tua língua seca ao sol do verbo em saliva ruboriza-se.

Que teu coração agarrado ao pensamento traduz mares por rios.

Que teu riso de cristal puro ornamenta a fronte do mundo em espinhos.

Que hoje fecha-se o círculo na aurora tingida em rosa e fogo.

25/10/1998