TARDE DEMAIS

Está uma tarde clara, com muito sol.

Como ave rara no arrebol...

Está linda e lindo o seu quase final

como um animal ejaculando êxtase e sal.

De todas as que vi, essa tem um delírio,

de como se estar andando em brasas e se sentindo frio...

Venha, não demore, venha logo e verá ainda, um pouco,

verá que é linda e aos cegos não parecerei louco...

Tome um bonde, tome um trem, tome uma estrela,

ou venha, em pensamento, voando, vê-la...

Tem as plantas se espreguiçando no jardim,

comida pronta, maçãs, uvas, tens a mim...

Venha! É uma ordem, e depressa, é urgente,

venha ver o sol se pôr, no mundo de tanta gente...

Fechei o jornal, livros, cadernos, receita,

fico só olhando como réptil, em bote, à espreita...

Tenho que te pedir que apresse os passos o mais que puder,

a tarde vai se fechando como concha, como ao se vestir uma mulher...

Vê! Pelos meus olhos ao menos um pouco da cor

da tarde que te dou como presente e com amor...

Choro sobre o papel e ele é só uma canoa

que leva minhas lágrimas, e com elas sobrevoa

o sentimento e a saudade que ficaram lá atrás,

na tarde mais linda que não volta mais...