A HORA ATÔMICA
Cada palavra que recolhi, combalida,
a ela destitui a dor e dei-lhe comida,
erigi uma estátua de silêncio e a pus
a ver que já estava descida da cruz...
Cada uma delas foi embora pelo mundo
e mergulharam na superfície e no fundo
de cada homem que caminhava à sua frente,
deu-lhes compaixão, bondade imensa, a lente
para ver o que ao redor acontecia a toda hora,
angústia, dor, perda de luz e de memória...
Muitas delas voltaram a dormir nos versos
que souberam guardar seus corações imersos
nos sonhos dos poetas que viveram neste planeta,
se alimentaram do leite sideral como bebê na teta
de sua mãe adorada, depois devotada ao amor,
inércia da loucura que vive do aroma da flor...
Antes de desmoronar o céu ainda guarda surpresas,
desviar o homem da rota do fútil e da vã beleza,
dar-lhe o prazer da criação de sua própria identidade,
no bólide em que se encapsula viver a vera vontade
de saber o destino do que tem não tem destino
como nada sabia do homem quando era menino...
Diga o que disser, nada mudará o volátil tempo,
que não existe e não existindo assume-se vento,
e leva os homens na correnteza cósmica caótica
numa sequência de fenômenos sem a doce lógica
dos cientistas enfurnados em fórmulas e teorias,
que saberão o que se passou sem saber o dia...