Traços de Cotidiano
Quem sabe
descubramos um mistério
delimitado por uma moldura.
E, neste caso,
quem poderá evitar
que a imagem dos quadros
invada a realidade?
Sem desespero,
afinal toda falta de nexo
pode ganhar
uma ideologia coerente.
A mais enraizada das neuroses
pode fingir-se de profunda
criação intelectual;
quando não,
criar caminhos e desvios
que levem a alguma concepção moral.
Tudo pela sobrevivência,
ante a praticidade dos imutáveis.
Os mais sagrados sacrifícios
não passaram de grandes tolices.
Assim é,
por não desejarmos fazer tolices.
Tornamo-nos,
de fato, regiamente tolos.
Existe mérito
ou defeito nos Quixotes
que tentam domar os seus moinhos?
Multidões de questionamentos.
Uma superpopulação de dúvidas.
Um excessivo número de moinhos
para reduzido número de Quixotes.
Na completa insatisfação,
conquistaremos
o desejo de coisa nenhuma.
Seremos animais subjugados
a algum adestramento servil?
Seríamos vítimas impotentes
ante a força de
um algoz carismático?
Teríamos, ante
os dentes do predador,
uma serenidade santa?
Possibilitaria a passividade total
a conquista de um paraíso?
Garantido o futuro, poderíamos
desprezar o incômodo presente.
Sejamos cordatos,
tenhamos prazer ao beijar
a mão dos selváticos poderosos.
Quem sabe permissão para viver...
Desprezo o poder
que emana dos subjugados.
A força dos manipuladores.
A oratória aprimorada
dos prometedores do nada.
O casarão cerebral quer ruir.
O bater incansável
de portas e janelas
cria trincas pelas paredes.
A dor aumenta,
tudo que é bom parece
que pode ser pervertido.
Tudo que é sagrado
pode ser profanado
por interesses mundanos.
Como não se enganar?
Como não se deixar influenciar?
Como ser liberto quando existe
promessa de prazer na escravidão?