O MORRO

O morro, de braços abertos,

recebeu a chuva que descia, torrencial;

banhou-se todo em esfuziante alegria,

até que leu o jornal...

Barracos desciam junto com o aguaceiro,

gente viva e gente morta nesse aluvião,

pedra, folha, geladeira, estante, boneca,

uns batiam, ainda, outros já batiam não...

Ficou chocado com as notícias estampadas,

se achava imune a tragédias, se sentia altivo,

como pode a natureza invadir tantos barracos,

é como uma bactéria invadir o protegido vidro...

Lavado que estava, deu de espiar para baixo,

o amontoado de escombros, postes incendiados,

carros retorcidos, pontes juradas fortes, quebradas,

viu que ser morro era mais do ser privilegiado...

Lavou-se, limpou-se, de estatura se fez menor,

revestiu-se de folhas como uma árvore delicada,

percebeu que o homem, este ser errante,

procura abrigo onde desce a impiedosa enxurrada...