Último minuto do hoje, e você ainda não veio me ver.
Poesia, cadê você que hoje ainda não vi?
Te procurei no espelho,não contemplei seu rosto, e nem o meu.
Abri as janelas, escancarei as cortinas, chamei-te, mas não me ouviste!
Um pássaro opaco pousou no muro acinzentado e cheio de musgo, pensei:
Mau augúrio! Espantaste a poesia?
Hoje tudo pareceu-me opaco como esse pássaro.
Olho para todos os lados e lá estão os mesmos rostos com expressão forçada, os mesmos gestos refletindo reflexos condicionados, os mesmos sons e vozes que nada comunicam.
Deus, devolva-me a poesia!
Não me subtraia da vida o sopro.
Preto e branco sem fim esfumaçam minhas retinas.
Por que me cegaste?
Estaria eu insensível?
Se eu morrer hoje, por favor, escrevam em meu atestado de óbito:
" Causa da morte: INANIÇÃO DE POESIA!"
Escrevam em letras garrafais , escrevam hiperbolicamente, ou não escrevam nada, pois sem poesia, tanto faz.
O existir vaga, vão e inerte.
Volte por favor, minha inspiração poética. Se é que um dia eu tive.
És tudo que a vida verte, sem ti a vida se inverte!
Sem ti os sonhos me cegam a alma, pois és a luz que minh'alma segue.
Toda obra que de ti nasce, é porque nasço através de ti.
E renasço das cinzas, voando qual águia a céu aberto, quando te revelas, ainda que frágil centelha.
Mas hoje, hoje não deste o ar da graça.
O tempo se esgota e daqui a um minuto será amanhã.
Já que se afastaste de mim, de ti me desapego;
Poesia ingrata! Eu que sempre te entoei nos atos mais singelos.
Dormirei agora, mas deixarei a porta aberta, talvez a poesia apareça em meus sonhos para me despertar dessa letargia!
Liberto-me agora da obrigação da obra, tal qual nobre artista, pois talvez o artista seja a própria obra.
Boa noite, poesia! Esteja lá onde estiver!