A MOÇA E O CAIXÃO

Essa história começa assim:

para Isabel

a moça, de cabelos cansados e ar curvado,

seguia por conta própria à beira da estrada,

rosa escuro com flores o vestido, comprido,

arfava como um cavalo cansado de lida,

arrastava um caixão de madeira barata,

a corda enroscada na mão cheias de veias,

olhava o céu pensando em chuva que virá,

nos pés a sandália de correia de couro,

unhas compridas nos pés, calcanhares gastos,

não se sabe se rezava ou cantarolava,

parecia destemida no seu único propósito,

chegar até a cidade para praticar o enterro,

ou então devolver à mãe do morto o morto,

o nome dela, segundo o registro era Lebasi,

o padrinho que lhe botou esse nome estranho,

já tinha passado dos cinquenta, mais uns poucos,

o que se sabe é que se embrenhara no namoro,

com o morto, é claro, na vivência de uns anos,

isso tudo foi acontecido lá pras bandas de Peruibe,

ela resolveu partir para devolver o deitado,

quem passava lhe oferecia carona, ela dizia - não,

vez ou outra parava para beber água da cabaça,

comia uns caranguejos curtidos no sal,

se refrescava jogando um pouco d'água na testa,

voltava ao caminho à beira da estrada,

rezava ou cantava ou fazia prece, não se sabe,

tanto andou que avistou ao longe a cidade,

as luzes pálidas parecem que a chamavam,

adentrou a ponte de separação de mato e prédio,

mais devagar perguntou a um passante

onde dormia a tal senhora mãe do ali carregado,

o tal respondeu que era lá nos fundos,

fundos da cidade, perto do cemitério,

uma moça de curiosidade acesa encostou,

deu de perguntar umas perguntas de curiosa,

d'onde viera e qual o destino do caixão,

Lebasi lhe falou que tinha morto ali não,

tinha era homem vivo que dormia de sono,

para aparentar verdade no contado

tirou a tampa e o não falecido se levantou,

aprumou-se arrumando o terno gasto,

ajeitou a gravata que lhe enforcava,

disse à moça seu nome, que era Oivalf,

de estrangeirice não tinha nada de nada,

a moça perguntou perguntou porque o carregamento,

Lebasi lhe que a passagem de ônibus tava cara,

ela era a tutora do tal quase fingido de morto,

como não podia largá-lo pelo caminho de sua vida,

por promessa feita e mantida num quase casamento,

estava ali para devolvê-lo à mãe. a única viva,

para que cuidasse dele pois ela ia seguir seu caminho,

cansada que tava de bancar a coveira

de um morto que não tinha morrido ainda...

E foi essa história que me contaram,

salvo um erro aqui e outro acolá,

depois que conheci a moça de perto,

'inda muito bonita, ainda que triste,

por quem me apaixonei e, fato acontecido,

lhe pedi em casamento no dia seguinte,

separada do naufrágio e morto devolvido...