Frestas do Tempo
Fragmentos de memória,
lembranças mal formadas
que desfilam de forma anárquica.
Não consegue organizar
os pensamentos e as emoções,
está avesso a qualquer ação.
Pelas frestas entreabertas da janela
entram petulantes brisas
do início de outono.
O calor contrasta com o vento frio,
lá fora as estrelas do céu
tudo veem, impávidas.
É como se coubesse a elas
dar alguma resposta.
Ri-se da falta de lógica
de tal pensamento.
Apercebe-se do corpo,
escuta a batida cardíaca,
sente o sangue circulando
por veias e artérias.
Constata-se fisicamente vivo
e por alguma estranha razão
isto parece muito assustá-lo.
Cheio de sensações
que denunciam o viver instintivo
do agregado biológico do corpo.
Vida física,
a química vital
da satisfação dos anos
de maturação do organismo.
A fruta tenra,
uma melancolia proveniente
do saldo dos muitos anos já passados.
A vida deve ser vivida,
a efemeridade cada vez mais próxima.
Ilude-se com as horas,
e horas iludem
os viventes, pois estes vêm,
estes vão, e fica a dúvida:
de onde e para onde?
O mergulho do ego
nas sagradas incertezas.