Retalhos de cetim OU Eu e Ela que nunca conheci OU Que azar o meu
Estou esquentando o corpo para iniciar, esfregando as mãos uma na outra para ter coragem.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe passará a existir.
Pensar é um ato. Sentir é um fato.
Sou obrigado a procurar uma verdade que me ultrapassa. Eu que quero sentir o sopro do meu além. Para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.
Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse sempre a novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias.
Eu falo agora de minha tumba.
Quando eu era menino li a história de um velho que estava com medo de atravessar um rio. E foi quando apareceu um homem jovem que também queria passar para a outra margem. O velho aproveitou e disse:
– Me leva também? Eu bem montado nos teus ombros?
O moço consentiu e passada a travessia avisou-lhe:
– Já chegamos, agora pode descer.
Mas aí o velho respondeu muito sonso e sabido:
– Ah, essa não! É tão bom estar aqui montado como estou que nunca mais vou sair de você!
E não saiu. Carrego esse envelhecer nos ombros enquanto a sobriedade e lucidez juvenil que impera sobre minhas decisões me roem as unhas.
Sou um compilado de histórias mudas que de vez em quando marcam as páginas de cetim. Dói, mas não grito. Mas há a necessidade do grito. Então explodo, novamente, em poesia.
"Retalhos de Clarice "meu mozão" Lispector, comigo mesmo".