DESMONTADOR DE PALAVRAS

Eu não queria chorar mas nasci cheio de água salgada.

Não queria rir mas nasci com um circo dentro de mim

e eu sou o palhaço que saboreia cada risada

lançada da arquibancada.

O que vi e ouvi pelo caminho me credencia a ser alguém

que pelas frestas do mundo espia a alma de quem passa

carregado de rótulos buscando tirar proveito do tolo

que ri dos outros e do sábio que ri de si mesmo.

Aqui estou eu quase um autista recolhido em meu universo

a crer que um cisco pode mover o mundo e um globo celeste

não pode sentenciar um homem à pena de morte a não ser

que a morte pertença a alguém que possui sua escritura

registrada no cartório de um homem isento da verdade

e da mentira.

Eu não quis ser mas sou.

O tempo e o avô do vento e a música que só se ouve

na casa dos passarinhos que erguem seus ninhos no alto das árvores

enquanto debaixo da grama os minérios ressonam à espera

de mãos que se ocupam em fundir aço e ódio e crença e totem

e de um desmontador de palavras que repara sujeitos caídos

nas calçadas de uma rua denominada razão.

Me empreste sua voz para que eu nine os bebês de esturjão

e o seu assovio para que eu chame as águias que sobrevoam

nossas misérias que almejam se tornarem reflexos de toda

a sabedoria acumulada desde o começo até o fim da nossa espécie.