Apenas um Recesso
É noite de verão.
Do norte sopra uma brisa fria
E no céu a lua ilumina o caminho
Cheia e enorme
Está tão próxima da Terra.
Uma garota caminha no asfalto frio
Os pés descalços porque isso a liberta.
Solitária na noite,
Comungando com a lua e as estrelas.
Os cabelos soltos, cascateando por suas costas,
Seu vestido de alças cruzadas nas costas,
É negro e a faz sentir-se bem.
Faz com que sinta que descobriu quem é.
Tudo o que quer,
Nessa bela noite de lua cheia,
É uma folga apenas.
Quer esquecer-se de suas responsabilidades.
Por que deixar para amanhã
O que se pode fazer hoje?
Porque todos precisamos de uma folga.
Um recesso que nos livre do dia a dia,
Algo que nos diga:
“Está tudo bem agora, fique tranquila.
Não precisa se preocupar
Com o que o amanhã lhe reserva,
Pois, por agora, você já fez o suficiente.”
E depois lhe ofereça um sorriso singelo e sincero,
Doce como a cana,
Genuíno como a risada de um bebê.
Se eu posso fazer amanhã
Por que fazer hoje?
Caminha e reflete.
Queria livrar-se de pensamentos
E apenas aproveitar o recesso
Que aquela bela noite lhe oferecia.
Sua mente precisava espairecer;
Seu coração precisava de um tempo
Para acostumar-se com a dor,
Com a angústia.
Mas havia tanto no que pensar,
Tanto o que lamentar.
Queria apenas ser,
Por um dia que fosse,
Uma garota depressiva e deprimida.
Permitir-se chorar por nada,
Esvaziar as lágrimas acumuladas,
Que vinham por lamentações “furrecas”,
Que muitos diriam serem sem motivos,
Porque não aceitam que uma pessoa alegre
Seja triste algumas vezes.
Porque não aceitam que outros também sentem dor.
Ou porque são arrogantes e egoístas demais
Para não aceitarem que outros
“Se achem dignos de chorar”,
Porque sua dor é a maior que existe no mundo
E ninguém mais pode chorar além deles.
Para o inferno com isso!
Para ela eram motivos de lágrimas,
Porque faziam seu coração doer,
Porque naturalmente provocavam lágrimas,
Porque agonizavam seu ser.
Mesmo que não fosse nada de mais
Visto de fora.
Sua generosidade exagerada
Dava-lhe orgulho de si mesma,
Mas já está cansativa.
Seus sonhos impossíveis são torturantes.
Ignoram os limites da realidade,
Porque ela sonha com um mundo
Que inicialmente não existe.
Prefere ser espetada por mil agulhas,
De forma lenta e psicopata,
A continuar sonhando assim.
E mesmo assim
Ainda sonha com ele.
Sua mania de perseguição,
Essa paranoia incessante,
Agonizante, torturante, macabra e amedrontadora,
Talvez seja a pior coisa do seu dia a dia.
A insistente agressão à natureza
Que o homem não cansa de praticar,
Aterroriza, deprime.
Justo a natureza, uma de suas melhores amigas.
Agora,
Quando olha para as árvores,
Tudo o que quer
É ser uma delas.
Quer misturar-se a grama,
Crescer num caule e tornar-se uma flor.
Um Lírio, um Girassol, um Cravo, uma Campânula.
Quer ser fruta, quer ser a semente, as veias das folhas.
Quer morrer e renascer como uma fênix,
Quer fazer isso no ciclo verde da Mãe Natureza.
Quer ser parte dessa arte maravilhosa que a Vida pintou.
Quer ser a brisa que carrega o pólen,
A água que abriga as Ninfas,
O ar que impulsiona as asas das aves.
Quer ser a chuva que derrete das nuvens,
Que irriga o solo e pinga nas pétalas rubras de uma rosa.
E quem diria,
Que nessa noite morna de verão,
Choveria?
Justo quando a garota deseja tornar-se aquilo.
Ela para e olha para cima.
As gotas da chuva que pingam em seu rosto,
Misturam-se às suas tristes lágrimas,
Escorrem pelos seus braços e encharcam seu vestido,
Descem por suas pernas e pés
E quando chegam ao chão,
Levam consigo as lágrimas as dores e a preocupação.
A chuva a faz sentir-se bem
E põe um sorriso em seu rosto,
Porque agora ela pode seguir seu caminho,
Iluminado pela lua,
Sem que seus problemas a perturbem.
Segue sorrindo,
Pula para o meio-fio,
Caminha lá, com os braços abertos,
Um pé depois do outro,
Brincando com seu equilíbrio,
Fingindo cambalear e rindo da própria brincadeira.
A chuva a inspira e alegra.
E assim a garota vive.
Alegra-se nos dias de chuva
E suporta os dias de sol,
Que clareiam o mundo e deixam a mostra
Para os olhos que quiserem ver
Toda a crueldade,
Seja ela pouca ou muita,
Que as pessoas praticam mesmo sem perceber.