MÃOS / A MESMA POESIA / VIGA-MESTRA
Com esta mão escrevo
Com a outra apago
Com esta o medo
Com a outra o afago...
Com esta mão envio
Com a outra recebo
Com esta firo
Com a outra reparo...
Com uma teço o verso
Com as duas todo o poema
Com uma toco o universo
Com as duas tudo vale a pena...
Com esta mão digo
Com a outra calo
Com esta sigo
Com a outra paro...
Com esta mão aceno
Com a outra se vai
Com esta o menos
Com a outra o mais...
Com uma traço metade
Com as duas traço o inteiro
Com uma faço bondade
Com as duas o amor primeiro...
A MESMA POESIA
Uma palavra abraça a outra
E saem pelo mundo a fazer poesia
Dizem que ambas são loucas
Por trazerem a noite à luz do dia...
Mais se juntam no poético cortejo
E no livro das coisas vagam pelo mundo
Assustam e espantam todo medo
Que mora na superfície e no mais profundo...
Se tornam histórias de delícias e de terror
A nós transeuntes e passageiros em vacância
Vivem vidas públicas de separação e amor
E repousam em lápides em última instância...
Ditas de modo simples emocionam corações
E de modo hermético aludem à tantas filosofias
Que desmontam e criam novas e velhas ilusões
Como um poeta nasce e dentro dele a mesma poesia...
VIGA-MESTRA
Amor não é traição nem abandono
Nem noites perdidas de sono
Dor na perna ao andar
Tristeza ao olhar o mar...
Deve ser a cura para a insônia
O discreto perfume de begônia
O chapéu caído de lado
O rubor recém-chegado...
Amor não paga boleto
Nem renega na esquina o espeto
Olha de soslaio o par de pernas
Fala palavras que parecem eternas...
Deve ser o pão repartido no meio
A viga-mestra senão o esteio
A luz que atravessa o vidro
E se espalha no chão liso...
Amor balbucia gemidos
No ouvido de todos os sentidos
Acende a chama na noite fria
Quando o vento espalha poesia...