QUEM SABE UM DIA

Nunca escutamos as sementes em gritos a brotar;

só ouvimos as enxadas tristonhas a cavoucar...

Elas se tornam as mais frondosas árvores em mil floradas;

só ouvimos o pregão da bolsa dando tostões ou quase nada...

Nos vestimos e escrevemos com suas partes mais íntimas;

evitamos quedas e o barro com sujeiras tão ínfimas...

Pousamos nossos pratos e comemos como cavalheiros e damas;

de noite nem prestamos atenção no doce ranger da cama...

Evoluímos para nos perdemos dentro da suposta evolução;

do mesmo modo que evolui para a morte o nosso coração...

Um dia quem sabe ouviremos o cantar das flores

ao amanhecer do dia;

quem sabe um dia numa folha no meio da tempestade

leremos a última poesia...

Os que virão em meio às luzes e tempestades elétricas

se lembrarão de nós

como aqueles que em meio à florestas de sentidos

não ouviram a própria voz...