O HOMEM NA CADEIRA DE RODAS
Um carro me pegou. Foi assim.
Hoje crio pássaros que treino para meus voos.
Pacientemente converso com eles, dou-lhes instrução,
dia a dia eles vão entendendo e fazem exatamente o que peço.
Começou com um pequeno pardal que vi nascer.
Pedi que buscasse um graveto caído por aí, ele o trouxe.
Era de laranjeira, o aroma ainda permanecia.
Depois foi com um canário.
Pedi que me trouxesse uma flor, qualquer uma,
ele pousou com uma rosa no bico, vermelha,
pôs a meu pés. alçou voo.
Um tordo eremita voou até mim e me pediu uma missão.
Esqueci de lhes dizer, passei a conversar com eles,
entender suas línguas cantadas, seus assovios e trinados.
Pedi a ele que me trouxesse um universo, qualquer um.
Voltou ele com um, inacabado, terras desconhecidas,
estrelas vagantes, satélites desnorteados,
esperando por alguém que o descobrisse,
alguém que fosse levar alegrias,
nunca nada triste.
O corvo solicitou um voo até Baltimore,
iria visitar o túmulo de um parente seu.
Perguntei quem, ele me disse que era
do corvo que vivera com Edgar Allan Poe.
Tantos pássaros, tantos voos,
tantas descobertas, tantas nuances.
Depois de tantas experiências um pombo branco
chegou até mim e pediu que lhe desse uma última missão,
estava velho e queria partir feliz por me alegrar.
Olhei em seus olhos e compreendi a partida,
vi o que era o último clarão de um espírito,
lhe disse que partisse e me trouxesse
o que quisesse e, se não voltasse,
entenderia e o amaria do mesmo modo.
Ele se foi, o vi alçando voo e alcançando o espaço,
sumiu entre nuvens, li a ele um poema
que estava em minhas mãos, de Yeats,
"quem vai com Fergus agora...", e adormeci.
Quando acordei ele estava lá,
pousado na janela, pedindo licença para entrar,
o chamei, ele suavemente veio até mim,
em seu bico estava uma pena branca,
foi o que ele encontrou, me disse,
apanhei a pena, a acariciei,
o olhei e agradeci,
ele tombou aos meus pés.