Saturno e suas sucessivas mortes
Ontem, ainda de manhãzinha
Enterrei o artista
Que sempre quisera ser.
Não foi de repente
Sua morte
Ele já vinha cansando fácil
Pouco suportava as dores
De suas quedas.
Digo, não morreu forte
Entende?
Não como o aventureiro
Que nunca fui.
Este criei como filho
Alimentei regularmente
Com todo amor que em mim havia.
Mas também perdera a vida
De forma brutal
Quando olhei-me no espelho
E aceitei que o tempo passou e
Eu não tinha a coragem
Suficiente. Aí ele morreu. Tadinho.
Lembro, com muito afeto
De um dia ter encontrado
Bem no fundo de mim mesmo
Um pequeno esportista.
Deste cuidei por um tempo.
Até que o abandonei largando
Sua mão
Enquanto andávamos pelo mundo
E, enquanto ouvíamos
Não de uma
Mas de várias pessoas
Que não tínhamos talento.
O coitado chorou, chorou, chorou...
Mas o deixei.
Nesta manhã, logo ao levantar da cama
Notei que meu corpo
Estava de pé
Porém nela
Ficara deitado
Alguém que carreguei desde minha infância.
Ele não morreu esta noite
Não, não...
Ele já vinha dando sinais
De seus últimos dias.
Lembro-me de sua última grande febre
Após sua última grande
Chance de ser.
Ficou tristinho, dias e dias
Jogado ao chão.
Perguntava-me o porquê
Não havia lhe dado uma chance.
Nunca o respondi.
Pois lhe queria por perto para
Olhar e orgulhar-me
Só por um momento
De tudo que me tornaria.
Hoje temo dormir
Sinto que, nos próximos dias
Nas próximas semanas
Ou quem sabe meses
— Não importa o tempo
Outros também partirão.
Este, ao que parece
É meu legado.
Uma vida bela, e de sucessivas mortes.