ATÉ AMANHÃ

Ainda vejo minha sombra caminhando comigo,

não me abandona, não me deixa só,

só descansa quando descanso

sob a luz escura que a noite lança,

juntos dormimos o mesmo sono,

acordamos sob o mesmo sol,

andamos mais e mais na estrada,

nada me pergunta e nem eu,

sabemos o que queremos dizer,

o tempo nos empresta seu tempo

até que amanhã seja o último amanhã,

carregado, flutuando no vento...

Não vejo ninguém andando comigo,

nem um perfume, um riso, uma palavra,

uma citação de um livro de poesia,

só lembranças de faces que se foram,

espelhos quebrados no bolso,

a milhões de quilômetros

distante de quem amei,

o deserto existe dentro e fora,

ruídos e trovoadas, a chuva virá,

caminho meu caminho sem poesia e vinho,

trouxe e levo e levarei o semblante de palavras

que saíram a passear para dentro dos livros,

um caderno amassado e amassadas frases,

eu e minha sombra visitamos a casa do silêncio,

de mãos dadas com o nada seguimos

até o cais onde apanhamos o navio

que nos leva para dentro de cada um,

sem sentirmos calor ou frio...