NÃO CONHEÇO

Não conheço quem tenha morrido

e depois de ser muito bem cremado

tenha vindo até o meu ouvido

dizer que está num bangalô sagrado...

Não conheço que faça uso da morte

e depois de desferir o golpe fatal

tenha vindo dizer que foi falta de sorte

de quem morreu como um vil animal...

Não conheço quem ame sem posse

e aceite o desamor como fato consumado

e não tente ser dono do amor como um lote

repleto de perigos e todo em volta aramado...

Não conheço quem escreva poesia à mão

sem fazer uso de seu lustroso e brilhante ego

e que traga à tona seu verso sem bridão

ou então crucificado com um vetusto prego...

Não conheço quem atravesse o desfiladeiro

da vaidade com sua armadura de brisa e vento

e proclame que foi vencido em fragor primeiro

em um combate que só quem sabe vencer é o tempo...

Não conheço quem tenha composto com razão e alma

a canção que apascenta cães ferozes e dê a eles alegria

e tenha visto escrito em sua mão na espalmada palma

o mapa de sua vida em traços de uma singela poesia...

Não conheço e nunca conhecerei o dia em todo findado

pensando estar vivo e caminhando até a eternidade

como um grão do universo composto em pólen sagrado

sabendo que o pensar já torna mentira toda a verdade...