Despoesia
A realidade enfeia qualquer beleza
A bela miragem se dissolve
no calor da areia sob os pés descalços
Miragem é apenas isso: miragem
A vida é deserto
A presença dissipa a pureza da ideia
De olhos fechados, o coração suspira,
ama a ilusão e sonha com o prazer longínquo
que só aceita abraços líquidos
que escorrem no abrir dos olhos
A flor perde o perfume e a cor
quando é arrancada e possuída
A beleza dorme, com indiferença, no sonho
O castelo de amor platônico se desmorona
diante da mais tênue brisa do despertar
No vestíbulo, a felicidade é eterna
Quando se abre a porta,
a rudeza zomba do devaneio da expectativa
Escondidas sob a maquiagem da vida
estão as incômodas rugas da verdade
É preferível evitar espinhos verdadeiros
a desejar o perfume da imaginária rosa
Pois a vida, em sua despoesia,
oferece a poesia cotidiana,
que reside fora da caverna,
lugar dos sonhos eternamente esperados,
dos sonhos, eternamente sonhos