BRUMADINHO 1 - 2 - 3

BRUMADINHO 1

DO FUNDO DA GARGANTA

O pássaro do meu coração já não diz – cuco!;

diz, sim, com voz triste e embargada, luto...

Da janela do meu corpo enxerga cada rosto

que passa, com o olhar vazio e, isto posto,

torno o canto abreviado um poema,

que é o que vale a pena...

Do alto da montanha se vê a cidade esmagada,

das ruínas a face mostra o que o homem perdeu;

o que se supôs um dia ser tudo e que hoje é nada,

nem o alto tijolo, nem o frio aço, a perda venceu...

O pássaro do meu coração já não se espanta,

busca o resto do canto no fundo da garganta...

BRUMADINHO 2

COMPARE

Compare:

A maçã ao lado da lâmina.

A maçã entra dentro da fome,

em suas paredes escreve seu nome...

A lâmina ao lado da maçã.

A lâmina entra dentro do fruto

e fere seu macio coração oculto.

Compare:

A mão ao lado do olhar.

A mão apanha o que o olho vê e não toca,

enfia no bolso como fosse um tatu em sua toca.

O olhar percebe a invasão e o que ela busca.

Sem armas e elmos e escudos e sentinelas,

somente um fiapo de luz em sua tez corusca.

Compare:

A pedra sem destino e o destino do homem.

A pedra rola e esmaga o musgo e a nobre casa,

se refestela sobre a grama e rola e gargalha.

O destino do homem tem medo do seu futuro.

Procura nos astros e nas leis e nas rodas da sorte,

a invasão de rejeitos a ele canta a canção da morte.

BRUMADINHO 3

QUE BONITO

Que bonito o alto prédio que esconde o tédio,

sem remédio, do executivo que espia pelo vidro

quem caminha à esmo, sem sentido:

pelo desprezo vive o supremo assédio...

Que bela caneta que despeja, como uma teta,

a tinta da demolição, da usura, da demolição,

que rompe a barragem da moral, sangrenta caneta,

cínico documento pregado na porta do coração...

Que lindo o fundo de ações dos investidores,

que lhes darão passeios inesquecíveis, Açores,

às custas de humildes e servis trabalhadores,

novos navios de escravos, os mesmos cantos de dores...

Que bonita a música das pedras derretidas

que descem pela pauta das montanhas,

que comem, não uma, mas tantas vidas;

que ruídos são esses?, (que coisa estranha...)