A COLHEITA
O homem nasce ave canora
e viaja entre árvores na mata;
o mundo ao redor explora
e, escravo da fome, caça...
Rompe a aurora da boreal criação
e surge o homem na linha do horizonte:
na mão esquerda seu coração,
na outra a clava que buscará frontes...
O pássaro, suspiro de um deus sonolento,
avoa sem rumo e sem o temeroso destino,
contra si apenas o tempestuoso vento,
em seus ouvidos a radiação de fundo,
um infinito e infinitivo hino...
Alma nobre que não conhece o aço,
nem sabe de suas cores abundantes,
irá cair, sob a insígnia do laço,
às profundezas das gaiolas constantes...
Tanto tempo depois eis a colheita:
terra que desce, foguetes que sobem,
à imagem da ganância, a imagem perfeita,
que importam os vivos que agora morrem?
Senta em tua cadeira de balanço e pensa:
um dia a terra, oca, reclamará seus bens,
usará a bússola que todos os mortos orienta
e, olhando em teu rosto perguntará: tu és quem?