cornos

minha avó de pés descalços e lida na terra

ensinou-me que na vida

tem-se que evitar os cornos

no dizer dela, os cornos

seriam aqueles tocos de galhos

mal cortados das árvores

a abrir caminho para cupins e pragas

e a lhes enfeiar o porte de árvore

no que a mãe terra tanto se deteve

em fazer de belo exemplo ao humano

mas quando minha avó falava

dos cornos das árvores,

eu, com olhos e ouvidos de menino

via e escutava que nas entrelinhas de suas palavras

bem visível nos seus olhos, no seu semblante

e num gestual de dedos que só ela fazia

que ela falava de outros cornos

como se me dissesse

de todos os tocos amputados que largamos pela vida

e de todas as feridas abertas

passíveis de serem avivadas

pelas pragas e pelos aproveitadores

e tal qual as árvores

a vida vai ficando assim

cheia de cornos, feia

e vulnerável

a menos que não os deixemos

Publicado no livro "poemas em tempos de penas" (2016).