BARULHOS URBANOS
Quando te vejo passar com sua armadura,
só vejo o branco dos teus olhos, assustados;
só de imaginar teu corpo encolhido, doído,
de pensar em teus pensamentos amordaçados,
chego a chorar um pouquinho;
mas depressa pergunto como estás,
o que tem feito, como vão os negócios;
sei que são perguntas quase sem sentido,
que no fundo chama por alguém que te solte,
digo que tenho pressa para que não perca seu tempo,
rapidamente você vai embora com o barulho de ferro...
Li no jornal que você saltou da ponte,
que estava triste e mal dormia ou comia...
No meio de suas coisas havia cartas e poemas,
num deles você dizia que se perdera do amor,
que ele largara a sua mão no meio da rua,
que nunca mais o encontrara, nem buscando,
por isso acolhera a ideia de buscar, no fundo do mar,
um repouso para seus ossos cansados, envelhecidos,
que, enfim, Netuno lhe daria guarida para sempre,
que poderia, vagarosamente, recuperar a alma perdida...
Quando passo pelo lugar onde te vi, de armadura,
alguém ocupou o seu lugar, alguém que não conheço
passa por mim arrastando correntes, outros algemados,
ouço o farfalhar do aço como asas que não voam,
ouço o barulho desarmônico das juntas que rangem,
penso em escrever uma música numa oficina
para mecânicos que leem pentagramas
bebendo óleo e comendo parafusos.