Banquete

I – Comer

Aí colocam a vida na mesa e dizem: coma!

Não há escolha do cardápio, do talher

Talvez não haja nem mesmo fome

Mas é preciso comer,

mecanicamente comer,

inevitavelmente viver

Garfo levado à boca, impulsivo

Saibo, dissabor, insosso

Vida devorada, vagamente, “vacamente”

Vida espaçada no tempo da boca,

Refeições de rotina,

com pedras de Sísifo travando o esôfago

Nas tantas mesas em volta

desaparece um ali, surge outro acolá

Entram, sentam-se, servem-se, saem

Em um vem e vai néscio

Nada sabem

Onde fica a cozinha? Quem é o cozinheiro?

Nada sabem

Apenas comem...

Mandíbulas acostumadas

Prendem-se a detalhes, a insignificâncias

Valorizam demais as migalhas e não saboreiam a vida

Gastam o tempo reclamando

e terminam engolindo a refeição já fria, indigesta

Vidas insípidas de uns, de outros, de todos

Quase todos...

II - Degustar

Mas um sábio vivente destoa da multidão sobrevivente

Ele sorri demoradamente para a vida

Face jubilosa de criança na chuva

Mastiga como a primeira vez, como a última vez

Paladar apurado

Sente cada minúscula propriedade

de cada minúsculo alimento

A vida explode, inédita e singular, em sua boca

Boca sem tempo, sem pressa

Tento aprender...

Aos poucos...

Busco não engolir, mas degustar

Nasce meu paladar e abraça o manjar da vida

Ingiro-a com infinidade de condimentos,

com afinidade aos condimentos

Formidável sabor, banquete ignorado até então

Iguaria sem igual

É possível ver além

Surge da penumbra a taça de vinho

Oh, sim, tem vinho – ode a Dionísio

Sirvo-me

A vida me alimenta de dança

Corpo e alma, na busca da saciedade, bailam a ritmos deleitosos

Há muitos gostos, temperos vários, apimentados dias, adocicadas horas

Amarguras aqui e ali se perdem no repasto do porvir

Não sei muito desta lauta refeição

Sei nada

E permaneço, sobretudo, ignorante sobre o cozinheiro

Mas se meu pensamento pudesse alcançar sua misteriosa cozinha

sussurrar-lhe-ia:

“Obrigado pelo sabor de cada instante”

E, atrevidamente, deixar-lhe-ia adiantado um pedido:

“Antes de tirar a mesa, encha a taça outra vez”

Osvaldo Júnior
Enviado por Osvaldo Júnior em 07/09/2018
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