À ALGUM LUGAR

Agora pela cidade ando,

no mar alto o barco solitário vaga;

em mim não há resquício de quando,

uma onda sorrateira a mim traga

o que minh'alma poética anda pescando...

Não há subterfúgios a pescadores,

nem há desvãos a poetas descalços;

por mais que não se queira as dores,

surgem em cada sentimental traço...

Ando um pouco mais e vejo,

nu de deuses, o mendigo que gargalha;

diria Pessoa, à beira do Tejo,

incendeias tua alma em fogo

já que é de transitória palha...

Mais ando agora

e perco a latitude e longitude;

meu espírito, inquieto, de joelhos ora,

sabe mais do que eu o que é a finitude...

À algum lugar chego

e ali posso sentir o abrir do portal;

vão-se de mim a loucura e o medo,

transcendo, mais luz, menos animal...