Martelo de aço, bigorna de vidro.
Dentro da montanha o deus dividido
Martela pesado e estala no ouvido
A vida que forja em cada estalido.
Martelo de aço, bigorna de vidro.
Eu, já forjado, tolo e retorcido
Às vezes tão bruto, mas noutras polido
De pé sobre nuvens, ao fosso recolhido.
Martelo do aço, bigorna de vidro.
Olhando ao redor procurando o sentido
De gente nascida sem jamais ter vivido
Suas cascas bonitas, âmago apodrecido.
Martelo de aço, bigorna de vidro.
Mas sei eu sobre a vida? Tempo transcorrido
Entre o primeiro choro e o final prometido
Daqueles que vejo. Sou espelho invertido
Martelo de aço, bigorna de vidro.
Calam-me os deuses, me deixam encolhido
Fui forjado do nada, para o nada elegido
Nadando contra as ondas e sendo tolhido
Martelo de aço, bigorna de vidro.
Virão ainda os anos, disso eu não duvido
Sabendo que tudo será um dia esquecido
A vergonha ou o orgulho pelo vento varrido
Martelo de aço, bigorna de vidro.
O que vale essa vida? Esse fel diluído
Que devagar todo dia vai sendo engolido
Ouvindo do deus velho o golpe ser repetido
Martelo de aço, bigorna de vidro.
Vale aguentar o golpe, engolir o gemido
Mas com o corpo ereto mesmo destruído
Desafiar os deuses, lançar um rugido.
O peito receba o martelo de aço,
As costas deitadas na bigorna de vidro.