O Silêncio Das Horas
E foram-se os dias
Passando assossegados.
Nunca perguntei ao tempo
Quantos de nós ele levaria.
Aquele chão de terra batida
Do qual corria a chuva
Formando verdes limos
Não sei se ainda guarda os pés
Das crianças que por ali ficavam
Nos fins de tarde
Enquanto o sol, vagarosamente
Escondia-se por detrás
Do horizonte de casas.
Foram-se os gritos das mães
Em busca dos ouvidos
Quase que rebeldes
De suas crianças —
E hoje não há mais crianças
E talvez nem haja suas mães.
Aos que acordavam cedo
Havia um galo que cantava
Todas as manhãs.
Era indício de um novo dia.
Éramos postos pra fora de casa
Logo cedinho, ao aquecer do sol
Enquanto as mães às limpavam.
Horas e horas de discussões
Sobre os casais de telenovelas
Quem havia deixado a rouba na pia
Que havia do lado de fora
Ou sobre os cães que latiam às noites.
Em dias de chuva, ficávamos em casa
Olhando pela janela
Na esperança de que ela passasse
Após fazer subir aos céus
Aquele cheiro de terra molhada.
Na esperança de que houvesse tempo
De brincar meio à lama.
Mas foram-se embora os dias.
Foram-se os vizinhos.
Foi-se o chão de terra batida —
Que agora é de pedra.
Foram-se os cães barulhentos
E o canto do galo
E as rodas de ciranda
Junto com toda inocência
Que tínhamos.
Foram-se os dias
As semanas
Os meses
Os anos.
— Foi-se uma vida.