O ENCONTRO

Foi encontrado o esqueleto, intacto, da poesia,

num fosso de noventa e nove quilômetros de profundidade,

por acaso por um lavrador que lavrava a ata

da reunião de pássaros em sua propriedade,

no sul do norte perto do oeste ao leste de si.

O sol, de queixo caído, caiu sentado

na grama em frente à casa do lavrador citado,

que por sinal tem o nome de Sr. Sem Ser Assim,

e que contou o modo como foi encontrado

o aglomerado ósseo, níveo, sem sequer um furo.

Disse o citado acima que passeava com seus cães sem raça

quando um deles, à guisa de querer ser melhor que os outros,

deu de latir e de ruspar como uma galinha d’angola

e tendo chamado sua atenção se dispôs a ver o que acontecia.

Havia um buraco de três metros de largura, redondo,

coberto pela grama, sem deixar ver seu fundo.

Apanhou ele uma pedra, de mais ou menos cem gramas,

e não escutou sua batida após o lançamento,

aumentou o peso da outra pedra e nada de escutar a batida.

Buscou uma corda e desceu sem perceber o fundo,

voltou e com outra corda de noventa e nove quilômetros

que supôs fosse a profundidade do buraco,

desceu com suas luvas de colher cactus,

chegou ao fundo não mais escutando os cães.

Tocou o fundo no fundo onde o fundo morre

por não ter para onde ir, lá estava, quase em pose,

o esqueleto, limpo, como se coberto por uma camada

de proteção, parecia, disse ele, que respirava

por seus poros ósseos o oxigênio que lhe supria

a vida pós morte.

Apanhou o esqueleto enlaçando-o pela cintura

como se numa valsa de descoberta, rodopiando,

tocados por raios luminosos que lhes recobriam

sua posses, voltaram à tona onde os homens moram

e a poesia se esconde, deitou-o no verde da relva

e o sol, de queixo caído, cuspia labaredas em vez de falar,

a música das joaninhas mastigando miúdos alimentos

tomou conta e dez ou doze anjos desceram ao lado do homem

e, engastalhado no alto de uma árvore, um poeta escrevia

sofregamente para não perder um só momento

daquele momento único, ósseo, carnal.