DUAS PALAVRAS
Bateram à porta da minha casa. Bem cedo.
Duas palavras, parecidas, porém diferentes.
Nada disseram de primeiro, só de olhação.
Fervia nos olhos delas um quê de admiração,
ou como quando alguém vê um jenipapo maduro.
Disse-lhes: entrem...
Entraram, limparam os pés no tapete,
olharam tudo à volta,
se sentaram no sofá adormecido, serenas.
Nem lhes perguntei os nomes, eu sentia,
dava em mim um sentido de triste alegria
e um calor vindo do fundo de um vulcão.
Uma se separou da outra e uma foi dar uma volta pela casa,
tocar na louça de tantos jantares, espiar as fotos na parede,
procurar vestígios de loucuras que ficam no alumínio
das panelas, o clarão macio no brinco da minha avó.
...
A outra abriu um sorriso e me disse o motivo da visita,
vim lhe ensinar a saltar por sobre o muro, um salto de não mais voltar,
toma, pegue minha mão, te dou o sentido de voar.
Assim fiz e de repente estava sobre cordilheiras e abismos correlatos,
estava emancipado de jornais e revistas,
não havia sentido em usar meia,
o pão sobre a mesa me olhava, distraído,
com a faca no coração.
...
A primeira se chegou de manso e pôs a mão no meu ombro,
vi pai e mãe almoçando, meus irmãos em volta, a pequena cadela,
comi as lembranças com a boca da memória, não se abraça vulto,
desci as escadas do futuro e dei de cara com o passado, rindo,
com seus dentes amarelos de ouro fingido, a retorta na mão.
...
A mão saiu do meu ombro e ela me disse, de um jeito simples,
se queres viver como vivem as pedras, deita e dorme.