ÚLTIMA CENTELHA & VEM

Às vezes uma pessoa é só uma lasca de madeira tosca

Um parafuso que perdeu a rosca

Um caule cheio de espinhos

A rolha que se afogou no vinho...

Quem olha pensa que a pessoa está perdida

Um caco no chão a espiar quem brilha na vida

Do céu cai uma lágrima da estrela que tudo espia

E com o último raio escreve a ela a solitária poesia...

Resta a última centelha que vive oculta no coração

E ao respirar acende a chama que nunca cessa de brilhar

No isolado deserto antes seco brota o broto no áspero chão

Como antiga nau restaurada que surge das profundezas do mar...

VEM

Vem, amor,

limpei a calha, varri o chão,

sacudi o tapete dos farelos de pão,

troquei de lugar os móveis surrados,

coloquei persiana nova, pendurei o quadro,

não esqueci de consertar o corrimão,

dei demão de tinta na cerca do quintal,

pus ração pro cachorro, sabe que amo esse animal,

raspei o fundo das panelas encardidas,

fim um feijão, sou bom de comida,

me banhei uns dez minutos,

to quase seco, enxuto,

roupa nova de riscado,

acho que tô apaixonado

e nem te conheço,

só sei que te amo

desde que dormia no berço...