O POETA

O poeta se furta a enxadas

pois sabe que o cabo da foice

cabe em cada uma de suas palavras...

O poeta se recusa a fissuras

pois cabe a ele juntar partes

como faz a senhora que costura...

O poeta recicla o ódio e o faz amor

pois sabe evitar a guerra santa

que mata qualquer deus com seu rancor...

O poeta bebe muito e come pouco

pois o tempo da fome o habita

em versos que o deixam louco...

O poeta ama o quanto pode

pois tem ciência da solidão

que em noites frias o encobre...

O poeta mente por necessidade

pois sabe que poucos e não muitos

suportam o que chamam de verdade...

O poeta guarda seus escritos

pois sabe que por ora lidos não serão

mas só quando se tornarem malditos...

O poeta tem aflições como qualquer ser humano

pois veio do mesmo veio maternal

mas seu sangue não se enxuga com pano...

O poeta reflete o rosto do seu país

pois é o espelho da alma de sua terra

como um Narciso inquieto e infeliz...

O poeta morre e ninguém vai ao seu enterro

pois só os sábios e santos poderiam ir

ao céu do seu próprio desterro...

O poeta tem a sacola com seu nome

pois é único e singularmente especial

com versos nela que matam a espiritual fome...