Dias rudes
A morte, lenta e delicada, aproximou-se de mim naquela madrugada,
aparentemente insegura e indecisa, naquela noite,
pareceu-me também relutante e inquieta.
Sussurrando algo bem baixinho ao pé dos meus ouvidos
e acariciando-me a nuca demoradamente, permaneceu ali, do meu lado,
no mais fúnebre dos silêncios já presenciado.
Afagou meus cabelos, secou minhas lágrimas, abraçou-me forte, forte mesmo! Num daqueles abraços sufocáveis; mas não sufocou-me.
Sóbria e solitária, acolheu-me no peito, no mais sombrio dia de toda a minha existência.
Do que restou de mim e da minha alma insipida e sem brilho naquele dia, ao meio dia, completamente desorientado, percorri inúmeras vezes descaminhos e trevas internas múltiplas.
Dormi dias infindos. Experienciei pesadelos intermináveis.
Sem perceber que o eu que eu era já não era mais eu, era um eu diferente, distante daquele eu sem nexo, complexo e sem sentido, acordei do sono da minha introspecção.
E quando saí de dentro de mim, vi que tudo estava muito diferente de antes:
- O céu parecia meio cinza, as ruas passavam rápido demais pelos olhos e até a vida que sempre teve asas, pousou.
Subitamente a minha vida apropriou-se do chão, na dureza rude característica das quedas de própria altura, que por diversas vezes experimentei.
Muito devagar, as dores imensuráveis de antes cessaram,
e dos dias rudes de outrora,
nem me lembro mais.