CÉU ERRANTE

Quando escrevo já não estou aqui;

como um fugitivo audaz e perigoso, fugi...

Não encontro rastro de mim e nem pegadas,

nem vejo fiapos de estranhas palavras;

estou tão longe como do prazer um monge,

um peixe que voa a montar nuvens aladas,

algures, acolá, além Alá, bem, bem longe...

Quando deito a palavra no papel

não a faço dormir com sedativos;

a lambuzo com o mais doce mel,

a suponho livre, sem castigos,

abro seus olhos, levanto o véu,

vê ela seus inimigos e amigos,

a terra, inferno possível, ou céu...

Quando molho teus olhos com vertigens

apanhadas nos campos limpos de fuligens

torno aceitável viver sem perdas e danos,

como faz a mais recôndita, em subcutâneos

esconderijos, palavra, dada aos humanos

pelos colhedores de pensamentos errantes

que moram bem perto daqui, num céu distante...