VIVER...

Viver é se lembrar de esquecer a dama

que convidaste alguém para a última ceia,

que colocaste dois pratos de porcelana,

talheres de prata, a ampulheta de areia

sobre o aparador à espera da hora insana

dos juntar dos ponteiros, o abraço da teia

como um lençol de cetim sobre a cama...

Viver feliz é se lembrar de apagar o giz

que colocaste sobre a lousa da memória,

acordar e, sempre, como o eco, repetir

que despertar é reescrever a história,

se rebelar contra a letargia, o devir

provocar como se a busca da glória

fosse o ato de tudo amar, cumprir...

Viver a plenitude de saber-se sagrado

é estender a mão e tocar nuvens brancas,

alcançar no mais alto céu o verde prado

onde vivem pastorais ovelhas, tantas

que nem se pode contar, arar com o arado

e semear cem mil sementes de plantas

que darão à paisagem um esverdeado

tom no olhar do anjo que ao redor dança...