CONTOESIA: A HONESTIDADE
Queria tanto ser honesto,
desses que qualquer um quer estar por perto,
como o Zé o Tonico o Mané o Joca e o Ernesto;
e eu, que careço de riquezas no fundo falso do baú,
que tenho a caderneta do banco sempre no vermelho,
descobri que ser honesto é estar sempre no azul...
Achei, por acaso, uma carteira recheda de notas,
olhei pros lados, apanhei, guardei no bolso da calça,
andei dois quarteirões, parei num bar, pedi uma água,
abri devagar a carteira e contei as notas, primeiro vi
uma quantia de dar água na boca no vendedor de roupas,
fui mexendo nos outros compartimentos, que coisa louca,
foto de duas crianças, um telefone para ligar, se necessário,
um bilhete vencido, um poema como se no fundo do armário...
Curioso, abri devagar a folha e li o poema, que dizia assim:
“Ah, meu bom amigo, que sorte a tua de achar na rua
o que não perdeste, pertences de alguém distraído,
que no afã de chegar depressa ao trabalho vê a sua
quantia vinda do FGTS, acidentalmente subtraído,
sumir numa esquina qualquer da cidade, e depois
de conferir cada bolso, procurar em cada vão,
saber que perdeu o dinheiro da compra do arroz,
a mistura tão controlada, aquele saco de feijão...
Se foi tu que achaste, se tiver compaixão e piedade,
me devolva o bem achado, se não tudo, um pouco,
sabes bem que o bem maior é a honestidade,
toda maldade acaba por tornar o homem, um louco...
Se assim o fizeres, desde já te agradeço,
prometo te mandar rezar, não uma missa, mas um terço;
sem apelar para o sentimentalismo, as crianças te agradecem,
sabemos que os maus nos procuram mas os bons sempre aparecem...”
Fiz a ligação, quem me atendeu foi um anjo de verdade,
que me disse, “fostes testado, pode ficar com dinheiro,
podemos nos afastar de tantas coisas, menos da solidariedade;
saiba que, nesta vida de muitas experiências, vem primeiro
a mentira da posse, depois a inestimável honestidade...”