MIL E UM CORAÇÕES

Quem diria, hem, saber que o país

é mais que uma porção de terra cercada por água

e loteada por bandidos, a começar pelo presidente,

que nos obriga a viver de sorrisinho e sem mágoas,

no entanto seu ferrões cravados são os seus dentes...

Quem diria, amigo,

que nos oferecem festas regadas a decretos e leis,

o sacrossanto carnaval, da carne quente e aguardente,

as procissões obrigatórias para a pele de quem sei

não dá nada a ninguém, os pastores da noite fervente,

as igrejas e templos ocupando espaços de hortas e jardins,

dinheiro do povo para pagar viagens e negócios escusos,

pastores e padres que vivem do sangue de você e de mim,

papas e bispos, negociantes que das almas fazem uso...

Quem diria, escriba de pele escura e vítima de racismo,

escriba de pele branca e vítima de falso populismo,

escriba cego que escreve sobre o que não sabe e não vê,

escriba feminino que luta por decência e respeito ao viver...

Quem diria, pobre leitor de mazelas íntimas e individuais,

quer ler nas linhas dos escritores suas vendetas e ilusões,

mas sabe, intimamente, que os animais só falam com animais,

a bandeja de prata leva ao cadafalso mil e um dos nossos corações...