Não digam que o texto é meu, posso sofrer retaliações. Cinderela após a meia noite
Hoje (na verdade há alguns dias) tenho me sentido um tanto deslocada e sem compreender algumas atitudes de pessoas que se acham no direito de nos rotular.
O fato é que julgam por aparência, julgam por ser rico ou por ser pobre, seja qual for a riqueza ou pobreza, por cor, julgam por alegria, julgam por tristeza, julgam por silêncio, julgam por palavras. Como uma máquina de apregoar rótulos, saem nos adesivando.
Uma das mais dolorosas, julgar-nos pela força, pela destreza diante das adversidades, das nossas “saídas pela tangente” diante das afrontas de quem não pode (mas pensa que pode), estabelecer opinião sobre isso ou aquilo.
Meu salto alto, meu belo vestido, minha maquiagem, o laço do meu cabelo, são exatamente isso que as pessoas usam, máscaras. Minhas máscaras. Mas isso não lhe dá o direito de me rotular.
A beleza, a força, a garra, a firmeza, a determinação, escondem um coração frágil, dócil, de tão romântico chega a ser bobo, fiel e dedicado, entregue a um sonho, que só bem no fundo do olhar desenhado pelo lápis e escondido atrás das lentes e com um tanto de sutileza pode-se perceber.
Então bate o sino do relógio, a porta se fecha atrás, e a “cinderela” começa a se desfazer: o salto guardado, o vestido trocado por um pijama surrado (não de velho, mas de sentimentos impregnados), a maquiagem no ralo da pia, o laço do cabelo caiu, assim como escorreu o lápis pelo rosto. São os gritos de “mãe, ele pegou meu brinquedo; mãe quero meu leite; mãe vem contar uma história; mãe traz minha toalha; mãe...” as doces vozes que ecoa pela casa, pelos tímpanos, vida a dentro. O silêncio badalando aqui no coração, e não tem grito de “manhê” que cale. Lá se vai leite, toalha, brinquedo, história, lá se vai o barulho…
De novo, estamos cara a cara uma com a outra. Tem um cansaço, tem uma indelicadeza consigo mesma, tem uma reprovação de si mesma, tem lá no fundo um que de “poxa!”. Eu sei que o telefone vai tocar, são só palavras, nada mais. Falta o que aqui transborda…
Lá se vem mais um rótulo.
A minha história não pode ser desfeita, nem mudada, foi com ela que aprendi, adquiri experiências, tornei-me forte, foi com as pedras dela que construí meu refúgio. Mas se você olhar bem no cantinho do muro, tô ali de soslaio, aguardando, ou simplesmente olhando, quem sabe esperando. Fé, é o que se tem (e oscila) todos os dias. (oscila sim!)
Tem um lado vazio, frio.
Não são felizes, têm medo de serem felizes, me entristecem.
Não quero consertar a torneira. Não quero arrumar o chuveiro. Não quero abrir o vidro de azeitonas. Não quero trocar a lâmpada. Não quero colocar o lixo lá fora.
Deixa passar a hora, até quando o cansaço, não o sono, lhe roubam as forças e adormece.
Creia, amanhã será um novo dia! E todos os dias têm que crer, ainda que doa, ainda que não mude, ainda que rotulem, ainda que digam: Poxa, você tem filhos, você tem um passado, você tem…
E o que não se tem?!...