A FLOR DA VIDA
Em uma fenda entre dois edifícios
Sobrevive um gramado rasteiro
Maltratado pela liturgia urbana.
Nada nele floresce além de pneus,
Artefatos oxidados (já ruivos)
E estilhaços domésticos banhados
Pela urina ácida dos bêbados
Que frequentam a noite
D'outro lado da rua Antônio Dalmarco.
De minha janela, o estreito quintal
De casa alguma é o único
Cenário possível, enquanto exerço
Minha vizinhança passiva
Que implica em contemplar o dia alheio
Por ausência de fascínio pela própria realidade.
Neste pacato terreno inútil vejo nascidas
Por todo o seu interior, florzinhas
Amarelas como pequenos girassóis
Contrastando com as ordinárias raízes
Do solo terroso.
E do miolo de pólen de uma das flores
Vi surgir e velozmente voar uma pétala.
Mas pétalas não voam por vontade própria,
Elas sequer possuem asas.
São apenas asas da flor, as pétalas.
Teria eu então descoberto
Uma nova espécie de pétala (voadora)
De inseto, de beleza?
A flor da vida, em meio aos destroços
Da vivência.