POEMA SEM PALAVRAS

Nem o frio da mais fria manhã de outono,

nem a coberta que se aninha em meu sono,

nem os desvarios que sonho como salteador

me farão não esperar pelo sonho de um novo amor...

Ao acordar salto da cama

como um porco que se atira na lama

em busca do seu bem-estar;

abro os olhos e todas as coisas ontem deixadas

estão ali, desde o poema ausente de palavras,

o óculos desleixado, a bolsa de couro cru,

um verbo e um adjetivo ainda nus...

Me visto, me aprumo, tomo o rumo

da rua e vou por esse mundo,

cumprimento e faço acenos,

alguém devolve, ao menos...

Sei que o senhor da horas

me vê, me observa, faz anotações,

gasta a areia no vidro ereto,

pensa em mim, decerto

por ser eu um ser de ócio e preguiça,

como se pudesse fazer considerações

sobre o meu modo de vida,

mesmo sabendo que sou, do tempo,

sua melhor comida...

Volto ao lar esperando a hora de me deitar,

como fosse eu uma onda que ecoa no infinito

e volta, sempre, para o mesmo mar...

Me deito, me cubro, ressono, ronco, chamo

sempre pelo mesmo nome, quase como um grito,

e, suavemente digo, flutuando, te amo...