ESTAÇÃO VIDA
Ali éramos muitos...
Incontáveis andarilhos,
Seres dos trilhos do desconhecido.
Naquela meia noite, contei três.
Lá embaixo,
O cão perpassava a blindagem da janela
Do meu décimo segundo andar
Donde a vida corria escura e invisível.
Tudo já aparentemente calmo,
Apenas a poesia apitava
A se agitar no silêncio do momento insone,
Como se locomotiva das horas atrasadas.
O cão vagueava agilmente por dentre as lascas Afiadas dos antigos ladrilhos portugueses da calçada.
Aquilo cortava peles, patas e corações.
Ele parecia saber para aonde ia...a
Logo desaparecer da cena.
Seu dono, verso jovem, flácido e cansado,
Ressonava mais adiante a tremular rochas.
Ali no meio fio, do alto, eu o pude ouvir alto
Sob o trilho da estação desativada,
Mais um viaduto das plataformas sem norte
Alicerce dos lares possíveis
Ao depósito de tantas vidas sucateadas.
A cidade que dormia na penumbra
Fingia não nos enxergar
Porque é mister fechar os olhos
Ao ininteligível da autodestruição.
Mas eu nos via ali
Num amálgama de realidades tão distintas
Dentre tantas surrealidades igualitárias.
Nos sucessivos versos brancos da vidraça,
De repente,
O cão reentrou nosso poema
A abocanhar um velho pão passado
Nem de longe o viçoso trigo
Dos dourados campos ao derredor!
Em agradecimento
Desabocanhou a iguaria na boca do dono
Como troféu de percurso
A quem arrebenta a impossível fita de chegada.
Entre nós três... nenhuma diferença,
A não ser a flagrante dignidade do cão,
Em mais um ato encenado
Pelas tantas plataformas da estação vida.
Eles não sabem, nunca saberão
Mas eu nos aplaudi em pé...